« Tendências políticas e religiosas no Médio Oriente » : différence entre les versions
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A vitória eleitoral do Hamas conduziu a uma grande divisão política nos territórios palestinianos. Surgiram dois governos distintos: um controlado pela Fatah na Cisjordânia e o outro pelo Hamas na Faixa de Gaza. Esta divisão veio agravar as dificuldades políticas e económicas nos territórios palestinianos. O território palestiniano continua fragmentado e desafios como o desemprego, a pobreza e a corrupção tornaram a situação política e económica ainda mais precária. Tanto a Autoridade Palestiniana, na Cisjordânia, como o Governo do Hamas, em Gaza, enfrentam importantes desafios internos e externos na gestão dos assuntos palestinianos. | A vitória eleitoral do Hamas conduziu a uma grande divisão política nos territórios palestinianos. Surgiram dois governos distintos: um controlado pela Fatah na Cisjordânia e o outro pelo Hamas na Faixa de Gaza. Esta divisão veio agravar as dificuldades políticas e económicas nos territórios palestinianos. O território palestiniano continua fragmentado e desafios como o desemprego, a pobreza e a corrupção tornaram a situação política e económica ainda mais precária. Tanto a Autoridade Palestiniana, na Cisjordânia, como o Governo do Hamas, em Gaza, enfrentam importantes desafios internos e externos na gestão dos assuntos palestinianos. | ||
= | =O Caso Curdo= | ||
== | == Antecedentes históricos do movimento curdo == | ||
O movimento curdo, com as suas aspirações à autodeterminação, tem as suas raízes na complexa e tumultuosa história do Médio Oriente, particularmente no contexto da dissolução do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial. O povo curdo, disperso principalmente entre a Turquia, o Irão, o Iraque e a Síria, tem procurado constantemente afirmar a sua identidade e reivindicar os seus direitos políticos e culturais numa região marcada por fronteiras frequentemente traçadas sem ter em conta as realidades étnicas e culturais. | |||
Após a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Sèvres de 1920 previa a criação de um Estado curdo. No entanto, este tratado foi substituído pelo Tratado de Lausanne em 1923, que redefiniu as fronteiras da Turquia moderna sem conceder aos curdos um Estado independente. Este foi um momento decisivo, deixando os curdos sem um Estado-nação, apesar da sua identidade étnica e cultural distinta. No Iraque, o movimento curdo passou por várias fases de rebelião e de negociações com o governo central. A região do Curdistão iraquiano, após décadas de conflito, ganhou uma autonomia substancial na sequência da Guerra do Golfo em 1991, tendo a sua posição sido reforçada após a invasão do Iraque em 2003. O Governo Regional do Curdistão, liderado por figuras como Massoud Barzani, criou uma entidade semi-autónoma com a sua própria administração e forças de segurança. Na Turquia, o conflito curdo tem sido largamente dominado pela luta do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), liderado por Abdullah Öcalan. Fundado na década de 1970, o PKK tem travado uma guerra de guerrilha pelos direitos e pela autonomia dos curdos, um conflito que já causou dezenas de milhares de mortos. Apesar de várias tentativas de paz, a situação na Turquia continua tensa, com períodos de conflito e de reconciliação. | |||
A guerra civil na Síria criou uma nova dinâmica para os curdos na região. As forças curdas, nomeadamente as Unidades de Proteção Popular (YPG), assumiram o controlo de grandes partes do nordeste da Síria, estabelecendo uma administração autónoma de facto nessas zonas. Este facto veio acrescentar um novo nível de complexidade à geopolítica regional, nomeadamente com o envolvimento dos curdos na luta contra o Estado Islâmico (EI). O movimento curdo, na sua busca de reconhecimento e de direitos, continua a moldar a política do Médio Oriente. A sua situação, frequentemente designada por "problema curdo", continua a ser um dos desafios mais espinhosos da região, envolvendo um mosaico de interesses locais, regionais e internacionais. Os curdos, ao mesmo tempo que procuram preservar a sua identidade única, lutam por um lugar num Médio Oriente em constante mutação, onde as questões da autonomia e da independência estão no centro dos debates políticos e sociais. | |||
== | == História e significado do termo "Curdistão" == | ||
O termo "Curdistão", que significa literalmente "a terra dos curdos", é utilizado há vários séculos, com referências que remontam, pelo menos, ao século XII. Este termo geográfico histórico refere-se à região habitada principalmente pelos curdos, um grupo étnico originário da região montanhosa que atravessa a Turquia moderna, o Irão, o Iraque e a Síria. Nos textos históricos, o termo "Curdistão" tem sido utilizado para descrever as regiões habitadas pelos curdos, mas é importante notar que a delimitação exacta e a extensão desta região têm variado ao longo do tempo, em função da dinâmica política, das mudanças de fronteiras e dos movimentos populacionais. Ao longo da história, esta região fez parte de vários impérios e Estados, incluindo os impérios persa, árabe, turco e otomano. Os curdos, apesar de manterem a sua identidade cultural e linguística distinta, estiveram muitas vezes sujeitos a um domínio externo e raramente gozaram de autonomia ou de um Estado-nação independente. | |||
A noção do Curdistão como entidade política distinta ganhou proeminência no início do século XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Otomano, quando os curdos começaram a aspirar a uma maior autonomia ou independência. No entanto, as aspirações a um Curdistão independente ou autónomo chocaram com as realidades políticas dos modernos Estados-nação da região. Atualmente, embora o Curdistão não exista enquanto Estado soberano, o termo é amplamente utilizado para designar as regiões de maioria curda, em especial o Curdistão iraquiano, que goza de um grau significativo de autonomia no Iraque. | |||
== | == Impacto da Guerra Otomano-Sevídea nos curdos == | ||
A guerra entre os Sefevides iranianos e os Otomanos em 1514, marcada pela emblemática batalha de Chaldoran, foi um momento marcante na história do Médio Oriente e de particular importância para o povo curdo. Este confronto entre duas grandes potências da época, o Império Otomano sunita sob o reinado de Selim I e o Império Sefávida xiita liderado pelo Xá Ismail I, resultou numa vitória otomana que redefiniu o equilíbrio geopolítico na região. A região curda, que se situa na fronteira entre estes dois impérios, foi profundamente afetada por este conflito. A Batalha de Chaldoran não foi apenas uma luta pelo poder territorial, mas também um confronto ideológico entre o xiismo e o sunismo, que teve um impacto direto na população curda. Os territórios curdos foram divididos, tendo alguns ficado sob controlo otomano e outros sob influência sefevita. | |||
Neste contexto, os líderes curdos viram-se confrontados com escolhas difíceis. Alguns optaram por se aliar aos otomanos, na esperança de obter autonomia ou vantagens políticas, enquanto outros viram na aliança com os sefevides uma oportunidade semelhante. Estas decisões eram frequentemente influenciadas por considerações locais, incluindo rivalidades tribais e interesses políticos e económicos. As consequências para os curdos da Batalha de Chaldoran e das subsequentes guerras otomano-sevides foram significativas. Conduziram a uma fragmentação política e territorial que se prolongou durante séculos. Os curdos, divididos entre diferentes impérios e, mais tarde, Estados-nação, lutaram para manter a sua identidade cultural e linguística única e para preservar a sua autonomia. | |||
Este período lançou as bases para os desafios políticos e as aspirações autónomas dos curdos nos séculos seguintes. A sua posição geográfica na encruzilhada de impérios fez dos curdos actores fundamentais da dinâmica regional, colocando-os frequentemente numa posição de vulnerabilidade face às ambições das potências vizinhas. A Batalha de Chaldoran e as suas repercussões são, por conseguinte, cruciais para compreender a complexidade da história curda e os desafios enfrentados por este povo na sua busca de autonomia e reconhecimento numa região em constante mutação. | |||
== | == O Tratado de Qasr-e Shirin e as suas consequências para os curdos == | ||
O Tratado de Qasr-e Shirin, também conhecido como Tratado de Zuhab, assinado em 1639 entre o Império Otomano e a dinastia sefardita da Pérsia, estabeleceu as fronteiras entre estes dois impérios, afectando de facto os territórios curdos. Este tratado marcou o fim de uma série de guerras otomano-persas e estabeleceu fronteiras que, em grande medida, permaneceram estáveis durante vários séculos e prefiguraram as fronteiras modernas da região. No entanto, é importante notar que, embora o tratado de 1639 tenha estabelecido fronteiras entre os impérios otomano e sefávida, estas fronteiras nem sempre foram claramente definidas ou administradas, especialmente nas regiões montanhosas habitadas pelos curdos. Os próprios curdos não tinham um Estado-nação próprio e estavam espalhados por ambos os lados da fronteira, vivendo sob a soberania otomana ou persa (mais tarde iraniana), consoante a região. | |||
Foi só no século XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Otomano, que as fronteiras dos Estados modernos do Médio Oriente começaram a ser moldadas e administradas de forma mais rígida. O Acordo Sykes-Picot de 1916, seguido do Tratado de Sèvres em 1920 e do Tratado de Lausanne em 1923, redefiniu as fronteiras na região, resultando na divisão dos territórios curdos entre vários novos Estados-nação, incluindo a Turquia, o Iraque, a Síria e o Irão. Estes acontecimentos, ocorridos na década de 1940, formalizaram as fronteiras existentes e tiveram um impacto profundo na questão curda. A divisão dos territórios curdos entre diferentes Estados colocou desafios únicos ao povo curdo em termos de direitos culturais, políticos e linguísticos, tendo moldado a sua luta pela autonomia e pelo reconhecimento ao longo do século XX e até à atualidade. | |||
== | == Consequências do pós-Primeira Guerra Mundial para os curdos == | ||
No período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, o Médio Oriente assistiu a transformações políticas e territoriais consideráveis, que influenciaram significativamente a situação dos curdos. A queda do Império Otomano e a ascensão do pan-islamismo, bem como a criação de novos Estados nacionais, marcaram o início de uma nova era para o povo curdo. Após a guerra, as aspirações curdas à autonomia foram largamente postas de lado no contexto da formação de novos Estados-nação. Na Turquia, por exemplo, sob a liderança de Mustafa Kemal Atatürk, foi posta em prática uma política de turquificação, com o objetivo de criar uma identidade nacional unificada centrada na identidade turca. Esta política teve um impacto negativo nos direitos linguísticos e culturais dos curdos, exacerbando as tensões e alimentando as aspirações autonomistas. No Iraque e na Síria, sob os mandatos britânico e francês, respetivamente, a situação dos curdos tem sido complexa e flutuante. Apesar de certas medidas destinadas a reconhecer os direitos dos curdos, nomeadamente em termos de prestações sociais, esses esforços foram muitas vezes insuficientes para satisfazer plenamente as suas aspirações políticas e culturais. Estas políticas foram frequentemente marcadas por períodos de repressão e de marginalização. | |||
Durante este período, as relações entre os curdos e outros grupos étnicos da região, como os arménios, foram tensas. Os conflitos na Anatólia Oriental e nas regiões fronteiriças entre a Turquia e a Arménia foram exacerbados pelas políticas estatais e pelas convulsões sociais. O genocídio arménio, por exemplo, provocou grandes deslocações de populações e tensões intercomunitárias. O contexto geopolítico pós-otomano teve um efeito profundo na vida dos curdos. Apanhados entre as ambições nacionalistas dos novos Estados e a dinâmica regional, os curdos viram-se numa posição difícil, procurando preservar a sua identidade e os seus direitos num ambiente político instável e frequentemente hostil. Esta época lançou as bases para as lutas contemporâneas pela autodeterminação curda, realçando os desafios persistentes enfrentados por este povo na sua busca de reconhecimento e autonomia. | |||
== | == Criação da primeira organização política curda == | ||
O ano de 1919 marca um ponto de viragem na história do povo curdo, com a criação da primeira organização política curda, significando a emergência de um movimento nacionalista curdo estruturado. Este período, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial e da dissolução do Império Otomano, abriu oportunidades e desafios sem precedentes para as aspirações curdas. | |||
A organização política curda criada em 1919 foi a expressão concreta do desejo crescente dos curdos de tomarem o seu destino político nas suas próprias mãos. O seu objetivo era unir as várias tribos e comunidades curdas sob uma bandeira comum e articular as reivindicações de autonomia e mesmo de independência. O Tratado de Sèvres, assinado em 1920, parecia preparar o caminho para a concretização destas aspirações. Este tratado, que redesenhou as fronteiras da região após a queda do Império Otomano, incluía disposições de autonomia para o território curdo e a possibilidade de uma futura independência, se as comunidades curdas assim o desejassem. O reconhecimento formal da autonomia curda no Tratado de Sèvres foi visto como uma vitória significativa para o movimento nacionalista curdo. No entanto, as esperanças suscitadas pelo Tratado de Sèvres rapidamente se desvaneceram. O tratado nunca foi ratificado pela nova República Turca, liderada por Mustafa Kemal Atatürk, e foi substituído em 1923 pelo Tratado de Lausana. O Tratado de Lausana não fazia qualquer referência a um Curdistão autónomo, deixando as aspirações curdas sem apoio internacional. O período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial foi, portanto, um período de oportunidades e de frustração para os curdos. Apesar do aparecimento de um nacionalismo curdo organizado e do reconhecimento inicial dos seus direitos no Tratado de Sèvres, as esperanças de autonomia e independência depararam-se com a realidade de novos equilíbrios políticos e interesses nacionais no Médio Oriente reconfigurado. | |||
== | == Os desafios da criação de um Estado curdo == | ||
No período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, o Médio Oriente foi redesenhado pelas potências vencedoras, afectando profundamente as aspirações dos povos da região, incluindo as dos curdos. O Tratado de Sèvres de 1920, que prometia um certo grau de autonomia aos curdos, suscitou a esperança de um Estado curdo independente. No entanto, esta esperança durou pouco devido a uma série de factores fundamentais. A distribuição geográfica das populações curdas, dispersas entre as esferas de influência da França, da Grã-Bretanha e da Rússia, dificultou a formação de um Estado curdo unificado. Esta divisão territorial dificultou qualquer tentativa de criar uma entidade política curda coerente, uma vez que cada zona estava sujeita a políticas e influências diferentes. Além disso, as potências aliadas, principalmente a Grã-Bretanha e a França, que tinham redesenhado o mapa do Médio Oriente, estavam relutantes em alterar os seus planos para acolher um Estado curdo. Estas potências, preocupadas com os seus próprios interesses estratégicos na região, não estavam dispostas a apoiar a causa curda em detrimento dos seus próprios objectivos geopolíticos. | |||
A questão da autonomia arménia também desempenhou um papel importante no fracasso da criação de um Estado curdo. Os territórios previstos para a autonomia arménia sobrepunham-se às zonas habitadas pelos curdos, criando conflitos sobre as reivindicações territoriais. Estas tensões exacerbaram a complexidade da situação, tornando ainda mais difícil chegar a um consenso sobre a questão curda. Outro fator importante foi a relativa fraqueza do nacionalismo curdo na altura. Ao contrário de outros movimentos nacionais da região, o nacionalismo curdo ainda não tinha desenvolvido uma base forte e unificada capaz de mobilizar eficazmente as massas. As divisões internas, as diferenças tribais e regionais, bem como as divergências de opinião sobre a estratégia a adotar, limitavam a capacidade dos curdos de apresentarem uma frente unida. Além disso, havia um debate no seio da comunidade curda sobre a aceitação ou rejeição do Tratado de Sèvres. Alguns curdos consideravam a possibilidade de se alinharem com o nacionalismo turco na esperança de preservarem alguma forma de autonomia num território turco unificado. | |||
Em última análise, estes desafios e obstáculos levaram a que a ideia de um Estado curdo independente fosse abandonada nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial. A realidade política do Médio Oriente, moldada pelos interesses das potências coloniais e por dinâmicas internas complexas, tornou extremamente difícil a conquista da autonomia curda, lançando as bases para as lutas curdas pelo reconhecimento e autonomia nas décadas seguintes. | |||
== | ==Curdistão turco== | ||
=== | === A política de assimilação na Turquia e a negação da identidade curda === | ||
O início da década de 1920 na Turquia, sob a liderança de Mustafa Kemal Atatürk, foi marcado por mudanças radicais na construção do Estado-nação turco. Um dos aspectos desta transformação foi a política de assimilação e aculturação das minorias étnicas, nomeadamente dos curdos. Em 1924, como parte destes esforços, a utilização dos termos "curdo" e "Curdistão" foi oficialmente proibida na Turquia, simbolizando uma negação explícita da identidade curda. | |||
Esta política fazia parte de uma estratégia mais vasta de homogeneização cultural e linguística destinada a forjar uma identidade turca unificada. As autoridades turcas implementaram políticas destinadas a assimilar à força as populações curdas, incluindo a deslocação de populações e a supressão das expressões culturais e linguísticas curdas. Os curdos eram frequentemente descritos pelas autoridades turcas como "turcos das montanhas", numa tentativa de reinterpretar e negar a sua identidade distinta. Esta teorização tinha como objetivo justificar as políticas de assimilação, afirmando que as diferenças linguísticas e culturais eram simplesmente variações regionais no seio da população turca. | |||
Estas políticas conduziram a um contexto de revolta permanente no seio da população curda. Os curdos, confrontados com a negação da sua identidade e a repressão dos seus direitos culturais e linguísticos, resistiram a estes esforços de assimilação. Esta resistência assumiu várias formas, desde a revolta armada até à preservação clandestina da cultura e da língua curdas. As revoltas curdas na Turquia, nomeadamente as lideradas por figuras como o xeque Said em 1925, foram momentos de confronto direto com o Estado turco. Estas rebeliões, embora reprimidas, puseram em evidência as profundas tensões e divergências entre o governo turco e a população curda. | |||
=== | === Renascimento cultural curdo e tensões políticas após a Segunda Guerra Mundial === | ||
No final da Segunda Guerra Mundial, a Turquia passou por um período de transformação e crise de identidade que contribuiu indiretamente para um interesse renovado pela língua, cultura e história curdas. Este período marcou o renascimento do nacionalismo curdo, embora as circunstâncias fossem complexas e muitas vezes contraditórias. O período do pós-guerra na Turquia caracterizou-se por uma relativa abertura e por um questionamento da identidade nacional turca. Esta abertura levou a uma certa redescoberta da cultura curda, que tinha sido reprimida pelas políticas de assimilação kemalistas. Os intelectuais curdos e turcos começaram a explorar a história e a cultura curdas, contribuindo para uma consciência crescente de uma identidade curda distinta. Este renascimento cultural serviu de catalisador para o desenvolvimento do nacionalismo curdo, com uma nova geração de curdos a exigir mais abertamente os seus direitos culturais e políticos. | |||
No entanto, este período foi também marcado pela instabilidade política na Turquia, com vários golpes militares e o aumento da repressão. Os regimes militares que chegaram ao poder na Turquia durante as décadas de 1960 e 1980, embora por vezes abertos a certas reformas, mantiveram uma linha dura em matéria de política étnica, nomeadamente no que respeita à questão curda. As políticas nacionalistas destes regimes conduziram frequentemente a uma nova repressão da expressão cultural e política curda. A tensão entre o renascimento cultural curdo e a repressão estatal conduziu a um período de conflito crescente. O movimento curdo, cada vez mais organizado e politizado, tem enfrentado grandes desafios, tanto da parte do Estado turco como da sua própria dinâmica interna. A questão curda tornou-se uma questão central na política turca, simbolizando os limites do modelo de Estado-nação na Turquia e os desafios colocados pela diversidade étnica e cultural do país. | |||
=== | === A luta armada do PKK e o seu impacto na questão curda na Turquia === | ||
A luta armada do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que teve início em 1984, representa um ponto de viragem decisivo na história do movimento curdo na Turquia. Fundado por Abdullah Öcalan em 1978, o PKK surgiu como um movimento marxista-leninista, orientado para a luta de classes e para a independência dos curdos. A decisão do PKK de lançar uma campanha de guerrilha contra o Estado turco marcou o início de um período prolongado de conflito armado que teve um efeito profundo no sudeste da Turquia e na comunidade curda. | |||
O contexto em que o PKK iniciou a sua luta armada era complexo. A década de 1980 na Turquia foi um período de tensão política e de aumento da repressão contra os grupos dissidentes, incluindo os movimentos curdos. Em resposta ao que consideravam ser uma opressão sistemática e a negação dos seus direitos culturais e linguísticos, o PKK optou pela luta armada como forma de exigir a autonomia curda. Nos seus primeiros anos, o PKK beneficiou de um certo apoio dos países alinhados com o bloco soviético. Este apoio assumiu a forma de formação, fornecimento de armas e apoio logístico, embora a extensão e a natureza exactas deste apoio sejam objeto de debate. Este apoio deveu-se em parte à dinâmica da Guerra Fria, em que o PKK era visto como um potencial aliado pelos inimigos da Turquia, membro da NATO. A reação do Governo turco à insurreição do PKK caracterizou-se por uma intensa repressão militar. Foram lançadas operações de segurança maciças nas regiões curdas, com graves consequências humanitárias, incluindo baixas civis e militares e a deslocação de populações curdas. | |||
Ao longo do tempo, a filosofia e os objectivos do PKK evoluíram. Embora as suas raízes estivessem profundamente enraizadas na ideologia marxista-leninista, o movimento adaptou gradualmente as suas reivindicações, passando da exigência de um Estado curdo independente para apelos a uma maior autonomia e ao reconhecimento dos direitos culturais e linguísticos dos curdos. A luta armada do PKK colocou a questão curda no centro das atenções nacionais e internacionais, pondo em evidência a complexidade e os desafios da questão curda na Turquia. Também polarizou as opiniões, tanto na Turquia como na comunidade curda, sobre as estratégias e os objectivos adequados na procura da autonomia e dos direitos dos curdos. O conflito entre o PKK e o Estado turco continua a ser uma questão espinhosa, que simboliza a tensão entre as aspirações curdas de autonomia e os imperativos de segurança e unidade nacional da Turquia. | |||
=== | === Contexto internacional e interesse soviético nas regiões curdas === | ||
Desde 1946, a União Soviética tem demonstrado um interesse crescente no Médio Oriente, em particular nas regiões com uma elevada concentração de curdos e azeris. Este envolvimento soviético insere-se no contexto mais vasto da Guerra Fria e na estratégia da URSS de alargar a sua influência em regiões estrategicamente importantes. Um dos exemplos mais significativos desta política foi o apoio soviético à República Autónoma Iraniana do Azerbaijão. Em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética, que tinha ocupado o norte do Irão durante a guerra, incentivou e apoiou a criação da República Autónoma do Azerbaijão, bem como da República do Curdistão, no Irão. Estas entidades autónomas foram criadas com o apoio dos comunistas locais e dos soviéticos e representaram um desafio direto à autoridade do governo central iraniano, então liderado por Reza Shah Pahlavi. A criação destas repúblicas autónomas foi vista pela URSS como uma oportunidade para alargar a sua influência na região e contrariar a presença britânica e americana. | |||
No entanto, o conflito iraniano-soviético que se seguiu levou à pressão internacional para que a União Soviética retirasse as suas tropas do Irão. Em 1946, sob pressão da comunidade internacional e dos Estados Unidos em particular, a URSS retirou o seu apoio às repúblicas autónomas, que foram rapidamente tomadas pelas forças iranianas. Este período foi significativo para as relações internacionais na região, mostrando como a dinâmica da Guerra Fria influenciou as políticas regionais. O apoio soviético aos movimentos autonomistas no Irão não só reflectia os interesses geopolíticos da URSS, como também realçava as aspirações das minorias étnicas da região, incluindo os curdos e os azeris, a uma maior autonomia e reconhecimento. | |||
=== | === Tensões religiosas e políticas entre os curdos no Irão === | ||
Desde o início da década de 2000, a situação dos curdos no Irão tem-se caracterizado por uma tensão crescente devido a diferenças religiosas e políticas. O Irão, um Estado predominantemente xiita, tem visto as suas relações com a sua população curda, predominantemente sunita, serem afectadas por factores religiosos, culturais e políticos. A diferença sectária entre a maioria xiita do Irão e a minoria curda sunita é um aspeto fundamental desta tensão. Embora o Irão tenha consolidado a sua identidade xiita desde a revolução islâmica de 1979, os curdos iranianos têm-se sentido frequentemente marginalizados devido à sua filiação religiosa sunita. Esta situação é agravada por questões de direitos culturais e linguísticos, com os curdos a exigirem um maior reconhecimento da sua identidade étnica e cultural. | |||
As tensões políticas entre os curdos iranianos e o governo central intensificaram-se devido à perceção da marginalização e da negligência económica. Os curdos no Irão há muito que lutam por uma maior autonomia regional e pelo reconhecimento dos seus direitos linguísticos e culturais, incluindo o direito à educação e aos meios de comunicação social na sua língua materna. A resposta do governo iraniano a estas exigências tem sido frequentemente a repressão. Os movimentos políticos curdos no Irão têm sido acompanhados de perto e, por vezes, reprimidos. Em várias ocasiões, registaram-se confrontos armados entre as forças de segurança iranianas e grupos curdos armados, estes últimos procurando defender os direitos e a autonomia dos curdos. | |||
A situação dos curdos no Irão é também influenciada pela dinâmica regional. Os desenvolvimentos relativos aos curdos no Iraque, nomeadamente a criação de uma região autónoma do Curdistão iraquiano, tiveram um impacto nas aspirações dos curdos no Irão. Ao mesmo tempo, a política externa do Irão, em particular o seu envolvimento em conflitos regionais como a Síria e o Iraque, está a ter um impacto na sua política interna em relação à sua própria população curda. Em conclusão, as tensões entre os curdos e o governo iraniano desde a década de 2000 são o resultado de uma mistura complexa de factores religiosos, culturais e políticos. Estas tensões reflectem os desafios da governação numa sociedade multiétnica e multiconfessional e sublinham as dificuldades persistentes das minorias da região em obter maior reconhecimento e autonomia. | |||
== | ==Curdistão iraquiano== | ||
=== | === As origens do Curdistão iraquiano e o Vilayet de Mossul === | ||
A história do Curdistão iraquiano e da sua relação com o vilayet de Mossul durante o Mandato Britânico é crucial para compreender a dinâmica política e étnica da região. Após a Primeira Guerra Mundial e a dissolução do Império Otomano, a província otomana de Mosul vilayet tornou-se uma questão central na redefinição das fronteiras do Médio Oriente. | |||
O vilayet de Mossul era rico em diversidade étnica e incluía uma população curda significativa, bem como outros grupos como os árabes, os assírios e os turcomanos. Aquando do estabelecimento do mandato britânico sobre a Mesopotâmia, que viria a tornar-se o Iraque, o futuro desta província foi amplamente debatido. Os britânicos, desejosos de controlar os recursos petrolíferos da região, defenderam a sua inclusão no Iraque, apesar das reivindicações territoriais da Turquia. Em 1925, após um longo processo de negociação e deliberação, a Liga das Nações decidiu anexar o vilayet de Mossul ao Iraque. Esta decisão foi crucial para definir as fronteiras do norte do Iraque e teve um impacto significativo na população curda da região. A decisão da Liga colocou um grande número de curdos sob administração iraquiana, alterando a paisagem política e étnica do novo Estado. | |||
=== | === A luta pela autonomia curda no século XX === | ||
A integração do vilayet de Mossul no Iraque influenciou o movimento curdo no país. Os curdos, que procuravam preservar a sua identidade cultural e linguística e obter uma maior autonomia política, enfrentaram vários desafios durante os sucessivos governos de Bagdade. A luta pela autonomia curda intensificou-se ao longo do século XX, culminando na criação de uma região autónoma do Curdistão na década de 1990, após décadas de conflitos e negociações. O desenvolvimento do Curdistão iraquiano como região autónoma foi reforçado após a invasão do Iraque em 2003, estabelecendo a região como um ator fundamental na política iraquiana. A história do vilayet de Mossul e a sua integração no Iraque moderno são, por conseguinte, essenciais para compreender a dinâmica atual do Curdistão iraquiano, salientando as complexidades históricas e políticas da formação do Estado-nação na região e os desafios persistentes da diversidade étnica e cultural. | |||
A decisão da Liga das Nações, em 1925, de anexar o vilayet de Mossul ao mandato britânico do Iraque foi um passo crucial na formação do Estado iraquiano moderno e teve profundas implicações para o movimento nacionalista curdo na região. A decisão incorporou no Iraque um território com uma população curda considerável, lançando as bases da atual luta curda pelo reconhecimento e pela autonomia. O movimento nacionalista curdo no Iraque tem-se caracterizado por uma notável resiliência e continuidade, apesar dos desafios e obstáculos políticos. A luta dos curdos no Iraque pela autonomia e pelo reconhecimento dos seus direitos tem sido marcada por rebeliões, negociações e, por vezes, repressão violenta. Esta perseverança reflecte a natureza específica do nacionalismo curdo no Iraque, onde as aspirações de autonomia regional e a preservação da identidade cultural curda têm sido temas constantes. | |||
As tentativas de negociação e de celebração de acordos entre os dirigentes curdos e o Governo iraquiano têm sido frequentemente infrutíferas, marcadas por promessas não cumpridas e acordos violados. Um dos factores que contribuiu para estes fracassos foi a falta de apoio internacional consistente à causa curda. Em particular, a retirada do apoio do Irão ao nacionalismo curdo foi um revés significativo. O Irão, que tem a sua própria população curda e está preocupado com a autonomia curda no interior das suas fronteiras, tem frequentemente vacilado no seu apoio aos curdos no Iraque, em função dos seus próprios interesses geopolíticos e de segurança. A situação dos curdos no Iraque continuou a evoluir ao longo do século XX, com períodos de forte repressão sob regimes como o de Saddam Hussein, mas também com avanços significativos, como a criação de uma região autónoma do Curdistão na década de 1990. Estes desenvolvimentos foram influenciados por uma variedade de factores regionais e internacionais, reflectindo a complexidade da questão curda na região. | |||
=== | === O surgimento da autonomia curda nos anos 90 === | ||
O ano de 1991 foi um momento decisivo para o movimento curdo no Iraque, particularmente após a Guerra do Golfo e o enfraquecimento do regime de Saddam Hussein. O fim desta guerra criou uma oportunidade sem precedentes para os curdos iraquianos estabelecerem uma forma de autonomia de facto nas suas regiões. | |||
Após a derrota do Iraque na Guerra do Golfo, eclodiu uma revolta popular no norte do país, principalmente entre os curdos. Esta revolta foi brutalmente reprimida pelo regime de Saddam Hussein, dando origem a uma grave crise humanitária e a deslocações maciças da população. Em resposta, os Estados Unidos, o Reino Unido e a França criaram uma zona de exclusão aérea a norte do paralelo 36, permitindo que os curdos ganhassem um grau significativo de autonomia. Esta autonomia de facto permitiu que os curdos desenvolvessem as suas próprias instituições políticas e administrativas, o que constituiu um importante passo em frente para o nacionalismo curdo no Iraque. Foi criado o Governo Regional do Curdistão (KRG), com as suas próprias estruturas administrativas, legislativas e de segurança. Embora esta autonomia não tenha sido oficialmente reconhecida pelo governo iraquiano na altura, representou um ponto de viragem na história curda no Iraque. | |||
=== | === O Curdistão iraquiano no novo contexto político pós-2003 === | ||
A situação alterou-se significativamente após a queda do regime de Saddam Hussein em 2003. A nova constituição iraquiana, adoptada em 2005, reconheceu oficialmente o Curdistão iraquiano como uma entidade federal no Iraque. Este reconhecimento constitucional legalizou a autonomia curda e constituiu um passo importante para a concretização das aspirações políticas curdas. A inclusão da autonomia curda na Constituição iraquiana simbolizou igualmente uma evolução importante na política iraquiana, marcando uma rutura com as políticas centralizadas e repressivas dos regimes anteriores. Reflectiu igualmente as mudanças na dinâmica política do Médio Oriente pós-Saddam, onde as questões de identidade étnica e regional se tornaram cada vez mais importantes. | |||
A retirada das tropas norte-americanas do Iraque em 2009 e os acontecimentos subsequentes tiveram um impacto significativo na situação dos curdos no Iraque, exacerbando as tensões entre o Governo Regional do Curdistão (KRG) e o governo central de Bagdade. Após a retirada dos EUA, as relações entre Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, e Bagdade deterioraram-se. Os curdos manifestaram frequentemente a sua preocupação com a crescente marginalização por parte do governo central iraquiano. Estas tensões centraram-se numa série de questões, nomeadamente a partilha das receitas do petróleo, o estatuto das zonas disputadas (como Kirkuk, rica em petróleo) e a autonomia política e administrativa do Curdistão iraquiano. | |||
O referendo sobre a independência do Curdistão iraquiano, realizado em setembro de 2017, marcou o ponto alto destas tensões. O referendo, que contou com uma esmagadora maioria de votos a favor da independência, foi organizado pelo KRG apesar da forte oposição de Bagdade e dos avisos internacionais. O Governo iraquiano, bem como vários países vizinhos e a comunidade internacional, consideraram o referendo ilegal e uma ameaça à integridade territorial do Iraque. Em resposta ao referendo, o governo central iraquiano tomou medidas severas, incluindo a tomada militar de algumas zonas em disputa, como Kirkuk, e a imposição de restrições económicas e de transportes ao Curdistão iraquiano. Estas acções sublinharam a fragilidade da autonomia curda no Iraque e evidenciaram os desafios políticos e de segurança que a região enfrenta. O referendo e as suas consequências revelaram igualmente as divisões internas do movimento curdo iraquiano, bem como as complexidades da política regional. Embora alguns líderes curdos tenham encarado o referendo como um passo em direção à tão esperada independência, outros manifestaram a sua preocupação quanto ao calendário e às potenciais implicações. | |||
== | ==Curdistão sírio== | ||
=== | === A criação do "Cinturão Árabe" e as suas repercussões === | ||
Nos anos 60, a situação dos curdos na Síria foi profundamente afetada pelas políticas do governo nacionalista sírio. Durante este período, a Síria, sob a influência do partido Ba'ath, adoptou uma abordagem nacionalista árabe que exacerbou as divisões étnicas, particularmente entre a comunidade curda. Uma das políticas mais notáveis e controversas deste período foi a criação do "Cinturão Árabe". Esta iniciativa tinha como objetivo alterar a composição demográfica das regiões com uma elevada concentração de curdos ao longo da fronteira com a Turquia. O Governo encorajou os árabes a instalarem-se nestas zonas, muitas vezes deslocando à força as populações curdas. Esta política foi em parte justificada por projectos de desenvolvimento, como a construção de uma linha de caminho de ferro, mas foi claramente motivada por razões políticas, a fim de diluir a presença curda. | |||
Estas acções conduziram a deslocações forçadas e a uma maior marginalização económica e social dos curdos na Síria. O "Cinturão Árabe" não só causou perturbações demográficas, como também alimentou um sentimento de injustiça e exclusão entre os curdos sírios. Estas políticas aumentaram as tensões étnicas na região e contribuíram para um sentimento crescente de desconfiança em relação ao governo central. As consequências destas políticas têm sido duradouras. Os curdos da Síria continuaram a lutar pelo reconhecimento dos seus direitos culturais e políticos, bem como pela sua autonomia. Estas tensões foram exacerbadas durante a guerra civil síria que eclodiu em 2011, na qual os curdos desempenharam um papel significativo, procurando estabelecer alguma forma de autonomia no nordeste da Síria. | |||
=== | === Os curdos na Síria e a luta pela autonomia === | ||
Na década de 2000, e em particular com o início da guerra civil síria em 2011, os curdos na Síria começaram a manifestar-se mais visivelmente pela autonomia. Este período marcou um ponto de viragem na luta dos curdos sírios pelo reconhecimento e pela autodeterminação. | |||
Antes da guerra civil, os curdos na Síria eram frequentemente marginalizados e privados de direitos básicos. O regime de Bashar al-Assad, tal como o do seu pai Hafez al-Assad, manteve uma política de repressão da cultura curda e das aspirações políticas curdas. No entanto, com a eclosão da guerra civil, o poder central em Damasco enfraqueceu, dando aos curdos uma oportunidade sem precedentes de reivindicar autonomia. Tirando partido do vazio de poder criado pelo conflito, os grupos curdos, principalmente as Unidades de Proteção Popular (YPG) e o Partido da União Democrática (PYD), assumiram o controlo de vastas áreas do Norte da Síria. Estes grupos estabeleceram uma forma de governação autónoma nestas áreas, incluindo aspectos como a administração civil, a defesa e a educação. | |||
Esta autonomia de facto foi reforçada pelo papel crucial desempenhado pelas forças curdas na luta contra o Estado Islâmico (EI), atraindo o apoio e o reconhecimento da comunidade internacional, nomeadamente dos Estados Unidos. Os curdos conseguiram estabelecer áreas de autonomia relativamente estáveis, conhecidas como Administração Autónoma do Norte e do Leste da Síria, apesar dos desafios constantes, incluindo as tensões com o governo sírio e as ameaças da vizinha Turquia. No entanto, a situação continua a ser precária. O reconhecimento oficial da autonomia curda na Síria pelo governo de Damasco continua incerto e as tensões regionais continuam a ameaçar a estabilidade das regiões curdas. A procura de autonomia por parte dos curdos sírios é, portanto, um processo contínuo, profundamente ligado aos complexos desenvolvimentos políticos e de segurança na Síria e na região em geral. | |||
=== | === O questionamento dos Estados-nação no Médio Oriente === | ||
Desde a intervenção anglo-americana no Iraque em 2003, seguida da guerra civil iraquiana e da crise síria a partir de 2011, o conceito de Estados-nação estáveis no Médio Oriente tem sido profundamente posto em causa. A invasão do Iraque, com o objetivo de derrubar Saddam Hussein, desencadeou uma série de consequências imprevistas, lançando o país numa espiral de violência sectária e instabilidade política. A situação complicou-se ainda mais com o aparecimento do Estado Islâmico, que explorou o caos no Iraque e na Síria para estabelecer um califado transfronteiriço, pondo em causa a legitimidade das fronteiras e dos governos nacionais. | |||
A guerra civil síria, que começou com a revolta popular contra o regime de Bashar al-Assad em 2011, agravou ainda mais a instabilidade regional. O conflito atraiu uma multiplicidade de actores regionais e internacionais, cada um com os seus próprios objectivos estratégicos. As repercussões destes conflitos ultrapassaram as fronteiras nacionais, exacerbando as tensões sectárias e étnicas e desencadeando fluxos de refugiados em grande escala. Estes acontecimentos expuseram as falhas dos Estados-nação do Médio Oriente, cujas fronteiras foram traçadas pelas potências coloniais após a Primeira Guerra Mundial. Estas fronteiras, frequentemente estabelecidas sem ter em conta as realidades étnicas, culturais e religiosas no terreno, deram origem a tensões e conflitos persistentes. | |||
Apesar destes desafios, as fronteiras estabelecidas no Médio Oriente têm demonstrado uma resistência notável. Continuam a ser elementos-chave da ordem política regional, apesar de serem palco de conflitos incessantes. Os Estados da região, embora enfraquecidos, continuam a lutar para manter a sua soberania e integridade territorial face aos movimentos secessionistas e à interferência estrangeira. O futuro dos Estados-nação no Médio Oriente continua incerto. Os conflitos no Iraque e na Síria revelaram profundas divisões e levantaram questões fundamentais sobre a legitimidade e a viabilidade das actuais estruturas estatais. Neste contexto, poderão surgir novas configurações políticas e territoriais, redefinindo a paisagem política do Médio Oriente nos próximos anos. | |||
=== | === Perspectivas controversas sobre as fronteiras do Médio Oriente e a guerra civil síria === | ||
Ralph Peters, | Ralph Peters, antigo oficial do exército americano e comentador de questões geopolíticas, tem apresentado uma perspetiva controversa sobre as fronteiras do Médio Oriente. Nos seus escritos, argumenta que as actuais fronteiras da região, em grande parte herdadas da era colonial e do pós-Primeira Guerra Mundial, não reflectem a realidade política, cultural e religiosa no terreno. Peters argumenta que estas fronteiras artificiais contribuíram para muitos conflitos ao não reflectirem as identidades nacionais, étnicas e religiosas das sociedades locais. A sua visão, por vezes ilustrada por mapas redesenhados do Médio Oriente, propõe uma reconfiguração das fronteiras para melhor refletir estas realidades. Por exemplo, sugere a criação de um Estado curdo independente que englobe partes do Iraque, da Síria, do Irão e da Turquia, onde vivem grandes populações curdas. Prevê também ajustamentos territoriais para outros grupos étnicos e religiosos, com o objetivo de criar Estados mais homogéneos. | ||
Esta proposta provocou um debate aceso e críticas generalizadas, incluindo no seio da NATO e noutros círculos internacionais. Os críticos salientam que a redefinição de fronteiras segundo linhas étnicas e religiosas é extremamente complexa e arriscada. Apontam para o perigo de agravar as tensões existentes e de criar novos conflitos. Além disso, a redefinição das fronteiras nacionais levanta questões sobre a soberania, a auto-determinação e a intervenção internacional. As ideias de Peters reflectem um desafio mais vasto que o Médio Oriente enfrenta: como gerir a diversidade étnica e religiosa em Estados-nação formados segundo linhas traçadas por potências estrangeiras. Embora as suas propostas possam parecer lógicas de uma perspetiva geopolítica simplificada, não têm em conta a complexidade das identidades nacionais, as relações históricas entre grupos e as realidades políticas no terreno. | |||
[[Fichier:MOMCENC_-_Ralph_Peters-_Near_East_-_Middle_East.png|centré|]] | |||
A guerra civil síria, que eclodiu em 2011, provocou mudanças fundamentais na estrutura e na composição da nação síria, pondo em causa a viabilidade do modelo de Estado-nação no contexto do Médio Oriente. Embora o regime de Bashar Al-Assad pareça estar a ganhar terreno, a realidade no terreno alterou profundamente a própria natureza da nação síria. O conflito na Síria expôs as falhas profundas de um Estado construído sobre bases heterogéneas, onde as várias comunidades étnicas e religiosas, incluindo curdos, alauítas, sunitas, cristãos e outros, foram precariamente integradas. A guerra exacerbou estas divisões, destruindo o tecido social e provocando uma grave crise humanitária. Cidades históricas como Alepo e Homs foram devastadas, enquanto milhões de sírios foram deslocados dentro do país ou fugiram para o estrangeiro, formando grandes comunidades da diáspora. | |||
A Síria do pós-guerra enfrentará enormes desafios na reconstrução não só das suas infra-estruturas, mas também da sua sociedade. A governação centralizada e frequentemente autoritária de Assad terá de se adaptar a uma realidade em que diferentes comunidades aspiram a um maior reconhecimento e representação. Estas comunidades, embora geograficamente delimitadas pelas fronteiras nacionais da Síria, estão intrinsecamente ligadas por laços confessionais, culturais e históricos que transcendem estas fronteiras. O conceito de diáspora tornou-se particularmente relevante para a Síria. Os sírios no estrangeiro mantêm laços estreitos com a sua terra natal, desempenhando um papel fundamental na preservação da identidade cultural e na potencial reconstrução do país. A diáspora síria representa uma diversidade de opiniões e experiências, reflectindo a complexidade da sociedade síria no seu conjunto. | |||
=Le Golfe persique= | =Le Golfe persique= | ||
Version du 21 décembre 2023 à 14:45
Basado en un curso de Yilmaz Özcan.[1][2]
O Médio Oriente, região de uma complexidade fascinante e de uma importância estratégica considerável, é o berço de civilizações antigas e o ponto de convergência de várias das maiores religiões do mundo. Esta área geográfica, frequentemente definida pelas suas fronteiras que se estendem do Egipto ao Irão e da Turquia ao Iémen, é um cadinho de culturas, etnias e crenças que se entrelaçaram e evoluíram ao longo dos milénios. No centro desta diversidade, as correntes políticas e religiosas desempenham um papel central, moldando não só a vida quotidiana das pessoas, mas também as relações internacionais e a geopolítica mundial.
Estas correntes estão profundamente enraizadas na história, influenciadas por acontecimentos como a ascensão e queda de impérios, conquistas, revoluções e movimentos reformistas. Desde a ascensão do Islão no século VII até à formação do Estado moderno, cada período histórico deixou a sua marca na estrutura política e religiosa da região. Atualmente, o Médio Oriente é um quadro vivo de monarquias tradicionais, repúblicas, democracias incipientes e regimes autoritários, todos entrelaçados com diversas interpretações do Islão e de outras crenças religiosas, incluindo o judaísmo e o cristianismo.
Nacionalismo árabe
O surgimento e os fundamentos do nacionalismo árabe
O nacionalismo árabe, uma ideologia que moldou significativamente a história política e cultural do Médio Oriente, surgiu no início do século XX, num contexto de domínio imperial otomano e europeu. Esta ideologia baseia-se na convicção de que os árabes formam um povo unido, partilhando uma história, uma cultura e uma língua comuns, e que devem estar politicamente unidos numa única entidade ou em entidades estreitamente ligadas cujas fronteiras correspondam à sua identidade cultural e étnica. A génese do nacionalismo árabe remonta à Nahda, o Renascimento Árabe, um período de renovação cultural e intelectual em que os intelectuais árabes reflectiram profundamente sobre a sua identidade e o seu futuro. Este período lançou as bases de um despertar político que se intensificou com o desmembramento do Império Otomano e a intervenção das potências europeias, nomeadamente após a Primeira Guerra Mundial.
Figuras emblemáticas como Gamal Abdel Nasser, no Egipto, desempenharam um papel crucial na promoção do nacionalismo árabe. Nasser, em particular, tornou-se um símbolo desta ideologia através da sua retórica anti-imperialista e da sua defesa da unidade árabe. O seu papel na nacionalização do Canal do Suez, em 1956, e a breve criação da República Árabe Unida (1958-1961), uma união política entre o Egipto e a Síria, são exemplos concretos de tentativas de concretização dos ideais nacionalistas árabes. O nacionalismo árabe foi também influenciado por outras correntes ideológicas, nomeadamente o socialismo e o laicismo, como o demonstra a emergência do Partido Baath na Síria e no Iraque. Este partido, fundado por Michel Aflaq e Salah al-Din al-Bitar, defendia a unidade, a liberdade e o socialismo no mundo árabe. No entanto, o sonho da unidade árabe deparou-se com muitos obstáculos. As diferenças internas, os interesses nacionais divergentes e o fracasso de projectos unitários como a República Árabe Unida enfraqueceram gradualmente o nacionalismo árabe. Além disso, a ascensão de movimentos ideológicos concorrentes, nomeadamente o islamismo, deslocou o centro de gravidade político da região.
Em termos de teoria política, o nacionalismo árabe ilustra a importância da construção da identidade e das aspirações à autodeterminação nos movimentos de libertação nacional. Também põe em evidência os desafios que as ideologias pan-nacionalistas enfrentam em regiões caracterizadas por uma grande diversidade étnica, religiosa e cultural. Hoje, embora o nacionalismo árabe já não seja a força dominante que era nas décadas de 1950 e 1960, o seu legado continua a influenciar a política e a cultura no Médio Oriente. Continua a ser um capítulo importante da história moderna da região e um elemento-chave para compreender a dinâmica política e cultural atual.
O desafio ao nacionalismo árabe começou com a queda do Império Otomano no início do século XX, um acontecimento que redefiniu profundamente a paisagem política do Médio Oriente. Este período assistiu ao aparecimento de várias ideologias e movimentos nacionalistas, entre os quais se destacam o Baathismo e o Nasserismo como duas interpretações notáveis do nacionalismo árabe. O Baathismo, personificado pelo Partido Baath, foi fundado na Síria por Michel Aflaq e Salah al-Din al-Bitar. Representava uma abordagem popular do nacionalismo árabe, que punha a tónica na unidade árabe, na liberdade e no socialismo. Este movimento tinha por objetivo mobilizar as massas através de uma ideologia pan-árabe, ultrapassando as fronteiras nacionais tradicionais. O partido Baath adquiriu uma influência significativa, não só na Síria, mas também no Iraque, onde chegou ao poder sob a direção de figuras como Saddam Hussein. Por outro lado, o nasserismo, assim designado em homenagem a Gamal Abdel Nasser, presidente egípcio, representava uma forma de nacionalismo árabe "vindo de cima", mais direcionado para a elite política e institucional. Nasser, um líder militar carismático, promoveu a unidade árabe, a independência do Ocidente e o desenvolvimento económico e social. A sua ação mais emblemática, a nacionalização do Canal do Suez em 1956, foi vista como um ato de desafio ao imperialismo ocidental e reforçou o seu estatuto de figura heróica no mundo árabe.
Embora estes dois movimentos tivessem abordagens diferentes, partilhavam objectivos comuns, nomeadamente a aspiração à unidade árabe e à libertação do colonialismo e do imperialismo. No entanto, as suas trajectórias foram marcadas por desafios internos e externos. O nasserismo, apesar do seu atrativo inicial, sofreu com o fracasso da República Árabe Unida e com a sua derrota na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Quanto ao Baathismo, apesar do seu sucesso inicial na Síria e no Iraque, acabou por ser confrontado com contradições internas e conflitos regionais. Estes movimentos ilustram a diversidade e a complexidade do nacionalismo árabe e põem em evidência os desafios que as ideologias pan-nacionalistas enfrentam. O seu desenvolvimento histórico oferece uma visão valiosa da dinâmica política do Médio Oriente no século XX, bem como dos limites e potencialidades do nacionalismo árabe como força unificadora e libertadora.
Contexto histórico e transformação do Império Otomano
A génese do nacionalismo árabe não pode ser totalmente apreciada sem compreender o longo e complexo contexto histórico que o precedeu e moldou. Os seguintes acontecimentos-chave desempenham um papel significativo nesta história. A conquista do Egipto pelo Império Otomano em 1517, que marcou a tomada do Cairo, e a tomada de Bagdade em 1533, consolidaram o controlo otomano sobre vastas áreas do mundo árabe. Estas conquistas não só alargaram o domínio otomano, como também introduziram novas estruturas administrativas, militares e sociais nestes territórios. Durante séculos, embora estas regiões fizessem parte do Império Otomano, mantiveram uma certa autonomia cultural e linguística, lançando as bases de uma identidade árabe distinta. A expedição de Napoleão Bonaparte ao Egipto, em 1798, foi outro ponto de viragem. Esta intervenção militar francesa teve um impacto profundo, não só no Egipto, mas em todo o mundo árabe. Expôs a fraqueza militar e tecnológica do Império Otomano face à Europa moderna e desencadeou um processo de reforma interna, conhecido como Tanzimat, com o objetivo de modernizar o império. A expedição marcou também o início do interesse crescente das potências europeias pela região, abrindo caminho a uma era de influência e intervenção estrangeira.
Neste contexto, a Revolta Árabe de 1916 é frequentemente considerada como um momento decisivo para a emergência do nacionalismo árabe. Incentivada pelos britânicos para enfraquecer o Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial, a revolta, liderada por figuras como Cherif Hussein de Meca e o seu filho Faisal, foi motivada por um desejo de independência e pela promessa de um Estado árabe independente. Embora os resultados da revolta não tenham satisfeito plenamente estas aspirações - em grande parte devido aos acordos Sykes-Picot de 1916, que dividiram a região em zonas de influência francesa e britânica - lançaram, no entanto, as bases do nacionalismo árabe moderno. Estes acontecimentos históricos moldaram a consciência política dos árabes, despertando a aspiração à autonomia e à autodeterminação. Também puseram em evidência as tensões entre as aspirações locais e a interferência estrangeira, temas que continuam a ser relevantes para a política do Médio Oriente contemporâneo.
A revolução dos Jovens Turcos de 1908, seguida da tomada autoritária do poder em 1909, foi um elemento crucial para a emergência do nacionalismo árabe. Inicialmente destinado a modernizar e a reformar o Império Otomano, este movimento evoluiu rapidamente para uma forma de autoritarismo e de nacionalismo turco exclusivo, exacerbando as tensões entre as elites turcas e as várias nacionalidades do Império, nomeadamente os árabes. A viragem autoritária dos Jovens Turcos manifestou-se de forma trágica com o massacre da população arménia em 1915, um acontecimento que não só constituiu uma terrível tragédia humana, como também serviu de alerta para outros grupos étnicos e nacionais do Império. A política de turquificação, que visava impor a língua e a cultura turcas como elementos centrais das instituições imperiais, era vista como uma ameaça direta à identidade e à autonomia das comunidades árabes. Neste contexto, alguns intelectuais árabes, influenciados pelas ideias ocidentais e conscientes da necessidade de defender a sua própria identidade cultural e política, começaram a organizar a resistência. O primeiro Congresso Geral Árabe, realizado em Paris em 1913, foi um momento importante deste processo. Este congresso reuniu delegados de diferentes regiões árabes para discutir o futuro dos árabes no Império Otomano e formular exigências de maior autonomia.
É interessante notar a posição particular do Egipto neste contexto. O delegado egípcio no Congresso de Paris apresentou-se como observador, reflectindo uma identidade egípcia distinta que não se considerava necessariamente "árabe" no contexto político da época. Esta distinção devia-se, em parte, a razões culturais e históricas - o Egipto tinha uma longa história e uma identidade civilizacional distinta das outras regiões árabes - e, em parte, à situação política do Egipto, então sob domínio britânico. Este período da história ilustra a complexidade do processo de formação do nacionalismo árabe, destacando as várias influências e as diferentes trajectórias políticas e culturais no mundo árabe. Mostra também como a dinâmica interna do Império Otomano, bem como a intervenção e a influência das potências europeias, desempenharam um papel decisivo na formação das identidades e dos movimentos políticos na região.
Impacto da Primeira Guerra Mundial e dos Acordos Sykes-Picot
Durante a Primeira Guerra Mundial, os árabes, embora cultural e historicamente ligados, estavam geográfica e politicamente divididos. Esta divisão foi agravada pelos Acordos Sykes-Picot de 1916, nos quais as potências europeias (principalmente a França e o Reino Unido) repartiram as áreas de influência no Médio Oriente, redesenhando as fronteiras sem ter em conta as realidades étnicas e culturais. Além disso, a Declaração de Balfour de 1917, que prometia a criação de um "lar nacional judeu" na Palestina, veio acrescentar mais uma camada de complexidade e tensão à região. O pan-arabismo, enquanto ideologia unificadora, ganhou popularidade neste contexto de fragmentação. Foi impulsionado pelo sentimento de que os árabes, enquanto povo, tinham de transcender as fronteiras coloniais e unir-se para alcançar a autonomia e a prosperidade. Esta ideia foi reforçada pela propaganda nazi durante a Segunda Guerra Mundial, que procurou influenciar a região contra os aliados britânicos e franceses, e pela exposição dos intelectuais árabes às ideias nacionalistas e anti-coloniais na Europa.
No entanto, o sonho do pan-arabismo deparou-se com muitos desafios. As ambições e realidades políticas nacionais, as diferenças culturais e religiosas no seio do mundo árabe e os interesses contraditórios das potências regionais e internacionais dificultaram a unidade árabe. Fracassos notáveis, como a dissolução da República Árabe Unida entre o Egipto e a Síria em 1961, marcaram os limites do ideal pan-árabe. O fracasso do pan-arabismo deixou um vazio ideológico na região, que foi gradualmente preenchido pelo islamismo. Este movimento, que procura organizar a sociedade de acordo com os princípios islâmicos, ganhou terreno num contexto de crescente desilusão com as ideologias seculares e nacionalistas. As décadas seguintes assistiram ao aparecimento de vários movimentos islamistas, que capitalizaram o sentimento de desencanto e a procura de identidade, propondo uma alternativa baseada na religião e na tradição.
Pan-Arabismo
As Primeiras Promessas e Desilusões: A Aliança do Xerife Hussein e o Mandato Britânico
Notáveis como o Xerife Hussein de Meca desempenharam um papel crucial como líderes locais e intermediários entre as populações árabes e as potências coloniais. No caso de Hussein, a sua posição de guardião dos locais sagrados islâmicos conferia-lhe uma autoridade religiosa e política significativa. Durante a Primeira Guerra Mundial, procurou uma aliança com os britânicos, motivado pela promessa de apoio à criação de um reino árabe independente após a guerra, em troca de ajuda contra o Império Otomano. Esta aliança é emblemática da estratégia dos notáveis tradicionais da região, que procuravam navegar entre os interesses locais e as ambições das potências estrangeiras. No entanto, as promessas feitas a Hussein pelos britânicos, conhecidas como a correspondência Hussein-McMahon, eram ambíguas e acabaram por contradizer outros compromissos assumidos pelos britânicos, nomeadamente os acordos Sykes-Picot e a Declaração de Balfour.
O resultado destas negociações diplomáticas revelou-se uma grande desilusão para as aspirações árabes. Após a guerra, em vez da prometida independência, a Sociedade das Nações estabeleceu vários mandatos na região, colocando territórios sob administração britânica e francesa. A visão de Hussein de um reino árabe unificado desmoronou-se e a região foi dividida em vários Estados, muitas vezes com fronteiras artificiais que não reflectiam as realidades étnicas e culturais. Este período foi marcado por um sentimento crescente de traição e desilusão entre os árabes, que viram as suas esperanças de independência e unidade evaporarem-se. Esta desilusão lançou as bases do descontentamento com as potências ocidentais e alimentou os movimentos nacionalistas e anti-coloniais nas décadas seguintes. A figura de Hussein e a sua tentativa falhada de criar um reino árabe independente continuam a ser um símbolo poderoso da luta árabe pela autodeterminação e da complexidade das relações entre o Médio Oriente e as potências ocidentais no início do século XX.
Emergência de teóricos e líderes nacionalistas árabes
No final da Primeira Guerra Mundial, a figura de Faisal, um dos filhos do Xerife Hussein de Meca, emergiu como um ator-chave na formação do nacionalismo árabe. Fayçal, que tinha desempenhado um papel de liderança na revolta árabe contra o Império Otomano, tornou-se um símbolo da aspiração árabe à autodeterminação. O seu companheiro e conselheiro, Sati Al Husri, teve uma influência considerável na teorização do nacionalismo árabe. Sati Al Husri, que mais tarde se tornou Ministro da Educação, é frequentemente considerado como o primeiro grande teórico do nacionalismo árabe. A sua abordagem foi fortemente influenciada pela conceção alemã da nação, que sublinhava os aspectos linguísticos e culturais como fundamentos da identidade nacional. Para Al Husri, a língua árabe era um elemento central da identidade árabe, um laço que transcendia as diferenças religiosas, regionais ou tribais no mundo árabe.
Esta ênfase na língua e na cultura como elementos definidores da identidade nacional foi, em parte, uma resposta aos desafios colocados pela diversidade do mundo árabe. Ao realçar estes elementos comuns, Al Husri procurou criar um sentimento de unidade e solidariedade entre os árabes, independentemente das suas diferenças individuais. A sua abordagem ajudou a moldar a ideologia do nacionalismo árabe nas décadas seguintes, influenciando as políticas educativas e culturais de vários países árabes. O período do pós-guerra, com os esforços de figuras como Faisal e as teorias de Al Husri, foi portanto crucial para a cristalização do nacionalismo árabe. Embora as aspirações à unidade árabe tenham sido frustradas pelas realidades políticas do pós-guerra e pelos acordos internacionais, a ideia de uma identidade árabe comum, baseada na língua e na cultura, continuou a exercer uma profunda influência na política e na sociedade do Médio Oriente.
O nacionalismo árabe no período entre guerras: traição e influência externa
O período entre guerras foi uma época crucial para o desenvolvimento do nacionalismo árabe, em grande parte influenciado pelo incumprimento das promessas feitas aos árabes durante a Primeira Guerra Mundial. Os acordos Sykes-Picot de 1916, que dividiram secretamente o Médio Oriente entre a França e o Reino Unido, tornaram-se o símbolo da traição das aspirações árabes à independência e à autodeterminação. Estes acordos, revelados após a guerra, minaram profundamente a confiança dos árabes nas potências ocidentais e alimentaram um sentimento de desconfiança e de ressentimento.
Neste contexto, outros factores aceleraram a ascensão do nacionalismo árabe. A propaganda fascista e nazi repercutiu-se em certos segmentos da sociedade árabe, sobretudo devido à sua oposição comum ao colonialismo britânico e francês. O regime nazi, procurando alargar a sua influência na região, explorou o descontentamento árabe em relação às potências coloniais. Este facto culminou com o golpe pró-nazi de 1941 em Bagdade, conhecido como o golpe de Rashid Ali al-Gillani, que estabeleceu brevemente um governo pró-alemão no Iraque antes de ser derrubado pelas forças britânicas. Ao mesmo tempo, o debate sobre a independência árabe continuou a intensificar-se. Intelectuais, políticos e líderes de opinião do mundo árabe discutiam ativamente formas de alcançar a autonomia política e de resistir à influência estrangeira. Este período assistiu ao aparecimento de vários movimentos nacionalistas e à formação de partidos políticos que viriam a desempenhar um papel importante na história pós-colonial da região. O período entre guerras foi um período de intensa transformação política no Médio Oriente. A combinação do não cumprimento das promessas feitas durante a Primeira Guerra Mundial, a influência das ideologias fascista e nazi e o debate interno sobre a independência ajudaram a moldar a paisagem política da região e a lançar as bases para os acontecimentos e movimentos que se seguiriam nas décadas seguintes.
Baathism
Origens e contexto do Baathismo: a anexação do Sandjak de Alexandrette
A anexação do Sandjak de Alexandrette pela Turquia em 1939 é um acontecimento frequentemente considerado como um importante catalisador do aparecimento do Baathismo, um movimento político que viria a desempenhar um papel importante na história contemporânea do Médio Oriente.
O Sandjak de Alexandrette, região situada no noroeste da atual Síria, foi anexado pela Turquia na sequência de um acordo com a França, então potência mandatária na Síria. Esta anexação, que foi considerada uma perda territorial humilhante para os árabes, exacerbou os sentimentos nacionalistas na região. Para muitos, ilustrou a vulnerabilidade das nações árabes aos interesses de potências estrangeiras e regionais. Neste contexto de frustração e de desejo de resistência, o Baathismo, ou a "ressurreição árabe", tomou forma. Fundado por Michel Aflaq e Salah al-Din al-Bitar, dois intelectuais sírios, o partido Baath promoveu uma ideologia baseada no nacionalismo árabe, no socialismo e no secularismo. O movimento Baath pretendia unificar o mundo árabe, promover o desenvolvimento económico e social e resistir ao imperialismo e ao colonialismo.
A anexação do Sandjak de Alexandrette serviu, pois, de impulso ao desenvolvimento desta ideologia, que procurava dar resposta aos desafios que se colocavam aos países árabes. Reforçou o sentimento de que a ação colectiva e a unidade árabe eram necessárias para contrariar a influência e a intervenção estrangeira na região. O Baathismo, enquanto força política e ideológica, desempenhou posteriormente um papel central na política de vários países árabes, nomeadamente na Síria e no Iraque. Embora o movimento tenha evoluído e enfrentado muitos desafios ao longo dos anos, o seu aparecimento na década de 1940 continua a ser um momento-chave na história do nacionalismo árabe e continua a influenciar a política do Médio Oriente.
Fundação e filosofia do Partido Baath: o primeiro congresso em 1947
O primeiro congresso do Partido Baath, realizado em 1947, desempenhou um papel crucial na definição da ideologia e dos objectivos do movimento. Este congresso marcou uma etapa importante na cristalização da visão do partido Baath para o futuro do mundo árabe, baseada em três pilares fundamentais: unidade, independência e socialismo árabe. A ênfase na unidade reflectia a aspiração de criar um Estado árabe unificado ou uma federação de Estados árabes, transcendendo as fronteiras coloniais e nacionais estabelecidas. Esta ideia de unidade territorial estava enraizada no nacionalismo árabe e tinha como objetivo contrariar a influência das potências ocidentais e regionais na região.
A independência era outro pilar central, sublinhando a necessidade de os países árabes alcançarem uma autonomia política e económica total. Isto implicava não só a libertação do colonialismo, mas também o desenvolvimento de estruturas e sistemas políticos e económicos independentes. O socialismo árabe, tal como defendido pelo Partido Baath, procurava modernizar e reformar a sociedade árabe. Não se tratava de uma cópia do socialismo soviético, mas antes de uma adaptação dos princípios socialistas às realidades e necessidades árabes, com ênfase na reforma agrária, na industrialização e na justiça social.
Para além destes três pilares, o Partido Baath caracterizava-se pela sua abordagem secular e não confessional. Esta orientação secular era significativa numa região marcada por uma grande diversidade religiosa e sectária. O Baath promoveu a ideia de que todas as comunidades religiosas e étnicas deveriam assimilar-se à identidade nacional árabe, criando uma sociedade unificada que ultrapassasse as divisões confessionais. Por último, o anti-sionismo era um elemento proeminente da ideologia do partido. Esta posição reflectia a oposição ao movimento sionista e à criação do Estado de Israel, visto como uma colónia e uma ameaça às aspirações de unidade e autonomia do mundo árabe. O primeiro congresso do Partido Baath definiu assim os contornos de um movimento que viria a ter uma profunda influência na política do Médio Oriente nas décadas seguintes. O seu legado, complexo e por vezes controverso, continua a influenciar a política e a sociedade da região.
Michel Aflaq e a Formação da Ideologia Baathista
Michel Aflaq, nascido em 1910 em Damasco, foi uma figura central na fundação e desenvolvimento do Partido Baath. Nascido no seio de uma família ortodoxa grega, Aflaq desempenhou um papel decisivo na formação do pensamento nacionalista árabe e secular que caracterizou o movimento Baath. Em 1943, Aflaq, juntamente com Salah al-Din al-Bitar e outros intelectuais, fundou o partido Baath, cujo nome completo é "Partido da Ressurreição Socialista Árabe". O partido foi criado no contexto do despertar nacionalista no mundo árabe e em resposta aos desafios colocados pelo colonialismo e pelas divisões internas na região.
Aflaq foi Secretário-Geral do Partido Baath, influenciando fortemente a sua orientação ideológica e política. A sua visão do nacionalismo árabe era inclusiva, transcendendo as divisões religiosas e sectárias, o que se reflectia na sua própria origem como cristão árabe. Acreditava firmemente na necessidade da unidade árabe, do progresso social e do secularismo como forma de modernizar a sociedade árabe e de resistir à influência estrangeira. Sob a sua direção, o Partido Baath procurou estabelecer filiais em vários países árabes, incluindo o Iraque. A filosofia do Baath ganhou influência, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, no contexto da ascensão do nacionalismo na região e das lutas pela independência contra as potências coloniais. No entanto, a visão de Aflaq para o Partido Baath e a sua interpretação do nacionalismo árabe foram objeto de várias interpretações e adaptações, nomeadamente na Síria e no Iraque, onde o partido chegou ao poder. No Iraque, em especial sob a presidência de Saddam Hussein, o Partido Baath adoptou uma orientação claramente mais autoritária, afastando-se de alguns dos princípios originais promovidos por Aflaq. Michel Aflaq, que passou grande parte da sua vida a trabalhar para o movimento Baath e a promover a unidade árabe, morreu em 1989. A sua contribuição para o pensamento político árabe continua a ser um importante tema de estudo e debate no contexto histórico e contemporâneo do Médio Oriente.
A evolução do Baathismo no mundo árabe e a sua associação ao poder em vários países revelam uma história complexa de reforma e progresso, mas também de conflito e repressão. Após a sua fundação por Michel Aflaq e seus colaboradores, o Partido Baath procurou estabelecer secções nacionais em vários países árabes. A ideologia do Baath, centrada na unidade árabe, no socialismo e no laicismo, teve eco em muitos desses países, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960, um período marcado por lutas anticoloniais e por um desejo de modernização e independência. Na Síria e no Iraque, por exemplo, o partido Baath chegou ao poder em 1963 e 1968, respetivamente. Estes regimes baathistas iniciaram numerosas reformas, nomeadamente nos sectores da educação, da indústria e da agricultura, com o objetivo de modernizar a economia e reduzir as desigualdades. Promoveram igualmente o secularismo e tentaram reduzir a influência da religião nos assuntos do Estado, o que rompeu com a tradição política de muitos países da região.
No entanto, a ascensão do Baath ao poder foi também acompanhada de formas de violência e repressão. No Iraque, sob a liderança de Saddam Hussein, o regime baathista foi marcado por políticas autoritárias, repressão de dissidentes e conflitos internos e externos, como a guerra Irão-Iraque (1980-1988) e a invasão do Kuwait em 1990. Na Síria, sob a direção de Hafez al-Assad e, mais tarde, do seu filho Bashar al-Assad, o regime também se caracterizou por uma forte centralização do poder, uma vigilância apertada da sociedade e a repressão da dissidência. Esta história complexa do Baathismo como ideologia e como prática de poder sublinha a dificuldade de implementar ideais nacionalistas e socialistas num contexto de diversidade étnica, religiosa e política. Por um lado, os regimes baathistas introduziram mudanças e reformas significativas nos países que governaram, mas, por outro lado, recorreram frequentemente à violência e à repressão para manter o seu controlo, dando origem a divisões e conflitos que marcaram profundamente a história recente do Médio Oriente.
O fracasso da República Árabe Unida e as suas repercussões
A fundação da República Árabe Unida (RUA) em 1958 representou um momento importante na história do nacionalismo árabe e, em particular, do movimento baasista. Este ambicioso projeto visava concretizar o ideal da unidade árabe, um princípio central da ideologia baasista. A RAU era uma união política entre o Egipto e a Síria. Foi largamente inspirada e promovida pelo Presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, uma figura de proa do nacionalismo árabe. Nasser, embora não fosse membro do partido Baath, partilhava muitos dos seus objectivos, nomeadamente em termos de unidade árabe, socialismo e resistência ao imperialismo.
A união foi vista como um primeiro passo para uma maior unidade árabe, um objetivo há muito sonhado por muitos nacionalistas da região. Gerou grande entusiasmo e esperança entre aqueles que aspiravam a ver o mundo árabe unido política e economicamente para formar uma grande força regional e global. No entanto, a República Árabe Unida teve uma vida curta. Em 1961, apenas três anos após a sua criação, a união entrou em colapso devido a uma série de factores. As diferenças políticas e económicas entre o Egipto e a Síria, a centralização do poder no Egipto e o crescente descontentamento na Síria face ao domínio egípcio contribuíram para a dissolução da união. O fracasso da UAR foi um rude golpe para o movimento de unidade árabe e ilustrou os desafios inerentes à concretização de uma união deste tipo numa região tão diversificada. Apesar do seu fracasso, a UAR continua a ser um capítulo importante na história do nacionalismo árabe e continua a ser estudada como um exemplo significativo das tentativas de unidade política no mundo árabe.
O Baathismo no Poder: Reforma e repressão na Síria
A chegada ao poder do partido Baath na Síria, em março de 1963, marcou um ponto de viragem significativo na história política do país e do movimento baathista no seu conjunto. A tomada do poder foi um golpe militar, reflectindo a ascensão do Baath como força política regional. Sob a direção do Baath, a Síria foi submetida a uma série de reformas radicais, em conformidade com os ideais do nacionalismo árabe, do socialismo e do secularismo. Estas reformas incluíram a nacionalização das indústrias, a reforma agrária e a modernização da educação e das infra-estruturas. O objetivo era transformar a Síria num Estado moderno, socialista e unido, rompendo com as estruturas políticas e económicas do passado. No entanto, o regime baathista na Síria foi também marcado por uma maior centralização do poder e pela repressão política. Neste período, assistiu-se à consolidação do poder nas mãos de uma pequena elite, frequentemente dominada por membros da comunidade alauíta, um ramo do xiismo. Esta concentração de poder numa minoria confessional deu origem a tensões sectárias e a uma certa confessionalização da política síria.
A confessionalização, ou seja, a crescente importância da identidade religiosa e sectária na política, estava em contradição com a ideologia secular do Baath. No entanto, tornou-se uma caraterística da governação na Síria, contribuindo para as divisões internas e a instabilidade. Esta dinâmica foi exacerbada pelas políticas do partido Baath que, embora oficialmente seculares, favoreciam por vezes certos grupos religiosos em detrimento de outros, provocando sentimentos de marginalização e descontentamento entre vários segmentos da população síria. A experiência do partido Baath no poder na Síria, com os seus êxitos iniciais em matéria de reformas sociais e económicas e os seus fracassos posteriores, nomeadamente em termos de governação sectária e de repressão política, teve um impacto profundo no desenvolvimento do país e continua a influenciar a política e a sociedade sírias.
Nasserismo
Fundamentos e aspirações do nasserismo
O nasserismo, uma ideologia política árabe, deve o seu nome ao presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, cujo reinado, de 1956 a 1970, marcou um período de mudanças radicais no mundo árabe. Esta ideologia caracteriza-se pela procura da unidade árabe, pela aspiração à independência total das nações árabes e pelo interesse por uma forma de socialismo adaptada ao contexto árabe.
Nasser, como figura carismática e líder influente, encarnou e propagou o nasserismo através das suas políticas e discursos. Um dos exemplos mais marcantes desta ideologia em ação foi a nacionalização do Canal do Suez em 1956, um ato que não só desafiou os interesses ocidentais na região, como também simbolizou a exigência de soberania e autodeterminação dos países árabes. Esta decisão conduziu a uma crise internacional e acabou por reforçar o estatuto de Nasser como campeão da independência árabe face ao imperialismo ocidental. O nasserismo tinha também como objetivo reforçar a unidade entre os países árabes, partindo do princípio de que, apesar das suas diferenças, estas nações partilhavam uma história, uma língua e aspirações comuns. Esta visão foi concretizada, ainda que brevemente, com a formação da República Árabe Unida em 1958, uma união política entre o Egipto e a Síria. Embora esta união tenha fracassado em 1961, continua a ser um exemplo histórico dos esforços de Nasser para unificar o mundo árabe sob uma única bandeira.
Impactos e reformas do nasserismo
Em termos económicos e sociais, o nasserismo conduziu a uma série de reformas socialistas. Nasser lançou programas de nacionalização e de reforma agrária com o objetivo de redistribuir a riqueza e reduzir as desigualdades. Estas medidas, embora diferentes do socialismo soviético, reflectiam a vontade de adaptar os princípios socialistas à realidade árabe, privilegiando a autonomia económica e a justiça social. De um ponto de vista teórico, o nasserismo pode ser interpretado através do prisma da teoria da dependência e do nacionalismo pós-colonial. Como resposta à dominação colonial e neocolonial, o nasserismo procurou estabelecer uma via independente de desenvolvimento e emancipação para os países árabes. Esta abordagem reflectia o desejo de quebrar os grilhões da dependência económica e política e de forjar uma identidade nacional e regional distinta.
O nasserismo, ao contrário do baathismo, é uma ideologia que se desenvolveu e cristalizou principalmente após a chegada ao poder de Gamal Abdel Nasser no Egipto. Esta caraterística marca uma diferença fundamental na trajetória das duas ideologias na paisagem política árabe. O Baathismo, iniciado por Michel Aflaq e Salah al-Din al-Bitar, já estava bem estabelecido como ideologia política antes de o partido Baath tomar o poder na Síria e no Iraque. Este movimento tinha desenvolvido uma base teórica sólida e objectivos claros em matéria de unidade árabe, socialismo e secularismo muito antes de se tornar um ator político dominante. O nasserismo, por outro lado, surgiu como um conjunto de ideias e práticas diretamente ligadas à ascensão e às acções de Nasser como líder do Egipto. Nasser não era originalmente um ideólogo no sentido tradicional; as suas ideias e políticas foram formadas e aperfeiçoadas durante o seu reinado. Após o derrube da monarquia egípcia, em 1952, pelo Movimento dos Oficiais Livres, do qual Nasser era um dos principais membros, desenvolveu gradualmente uma visão para o Egipto e para o mundo árabe que viria a ser conhecida como Nasserismo. Esta visão concretizou-se em actos como a nacionalização do Canal do Suez e a promoção da unidade árabe, que constituíram momentos decisivos na definição do nasserismo. Além disso, as reformas socioeconómicas empreendidas por Nasser no Egipto, como a reforma agrária e a nacionalização das indústrias, reflectiam os seus princípios ideológicos.
Nasserismo, Baathismo e República Árabe Unida
A fundação da República Árabe Unida (RUA), em 1958, foi uma das manifestações mais significativas do pensamento nasserista. Esta união, que juntou o Egipto e a Síria, foi motivada pela ambição de Gamal Abdel Nasser de alcançar a unidade árabe, um dos pilares centrais da sua ideologia. A visão de Nasser para a RAU ia além de uma mera aliança política; visava criar uma entidade política e económica unificada que pudesse atuar como motor de desenvolvimento e poder na região. Para Nasser, a UAR era um passo em direção à realização de um sonho pan-árabe, em que as nações árabes poderiam transcender as suas fronteiras coloniais e históricas para formar uma união maior e mais forte. Na prática, porém, a UAR enfrentou uma série de desafios. Um dos aspectos mais controversos foi a perceção, especialmente na Síria, de que a união conduzia a uma espécie de domínio egípcio. Em teoria, a UAR deveria ser uma união entre iguais, mas, na prática, era frequentemente vista como uma tentativa do Egipto, e de Nasser em particular, de controlar ou influenciar a política síria. Esta perceção foi exacerbada pela centralização do poder no Cairo e pela marginalização das vozes políticas sírias.
A Síria, no âmbito da RAU, era frequentemente vista como uma província egípcia e não como um parceiro em pé de igualdade. Esta dinâmica contribuiu para um descontentamento crescente na Síria, onde muitos políticos e cidadãos se sentiam marginalizados e dominados pelo Egipto. Esta situação acabou por conduzir à dissolução da RAU em 1961, quando a Síria se retirou da união. A RAU, apesar da sua curta existência, continua a ser um capítulo importante na história do nacionalismo árabe e do pensamento nasserista. Simboliza as aspirações de unidade árabe e os desafios associados à implementação desta ideia numa região caracterizada por uma grande diversidade política, cultural e social. A experiência da RAU também pôs em evidência os limites da abordagem centralizada e dirigista de Nasser para a unificação árabe.
Nasserismo no contexto regional e mundial
Os Acordos de Camp David, assinados em 1979 entre o Egipto e Israel, representaram um importante ponto de viragem na história do Médio Oriente e são frequentemente citados como marcando o fim da era do pan-arabismo. Estes acordos, que conduziram a um tratado de paz entre o Egipto e Israel, foram vistos por muitos países árabes como uma traição aos princípios do pan-arabismo e da solidariedade árabe. O pan-arabismo, enquanto movimento político e ideológico, há muito que promovia a ideia da unidade árabe contra a influência e a intervenção estrangeiras, nomeadamente contra o Estado de Israel, visto como um implante colonial em solo árabe. Os Acordos de Camp David, negociados e assinados pelo Presidente egípcio Anwar Sadat, romperam com esta linha de pensamento ao estabelecerem relações diplomáticas oficiais e o reconhecimento mútuo entre o Egipto e Israel.
A assinatura destes acordos teve repercussões consideráveis. O Egipto, um dos líderes históricos do mundo árabe e um fervoroso defensor do pan-arabismo durante a presidência de Nasser, ficou isolado no mundo árabe. Em resposta à normalização das relações com Israel, a Liga Árabe suspendeu a adesão do Egipto e transferiu a sua sede para fora do Cairo. Esta exclusão simbolizava a profunda insatisfação e desaprovação dos outros países árabes face à decisão unilateral do Egipto.
O final da década de 1970 e o início da década de 1980 marcaram assim um período de transição na política árabe, com um declínio da influência do pan-arabismo como força unificadora e um aumento da política nacional e dos interesses de cada Estado. Os Acordos de Camp David não só redefiniram as relações entre o Egipto e Israel, como também tiveram um impacto duradouro na dinâmica regional e na perceção da unidade árabe. Estes desenvolvimentos reflectem a complexidade da política do Médio Oriente, onde as aspirações ideológicas colidem frequentemente com as realidades políticas e geopolíticas. A passagem do pan-arabismo para políticas nacionais mais pragmáticas ilustra a natureza mutável das alianças e das prioridades na região.
Liga dos Estados Árabes (Liga Árabe)
Os primórdios da cooperação árabe e os conceitos de união
Em 1944, o Egipto, sob o reinado do rei Farouk, desempenhou um papel de liderança nas discussões destinadas a estabelecer uma forma de cooperação ou união entre os países árabes. Este período marcou uma etapa importante nos esforços de colaboração regional, precedendo a formação da Liga Árabe em 1945. Nessa altura, estavam em discussão várias ideias e projectos relativos à unidade ou cooperação árabe. Um dos conceitos-chave era a Grande Síria, que previa a união dos territórios sírio, libanês, jordano e palestiniano. Esta ideia, enraizada na história e na cultura comuns da região, era vista por alguns como uma forma natural de aproximar estes povos que partilham laços estreitos.
Outro conceito era o do "Crescente Fértil", que incluía a Síria, o Iraque, o Líbano, a Jordânia e a Palestina. Esta ideia baseava-se em considerações geográficas e económicas, sendo o Crescente Fértil uma região historicamente rica e fértil, considerada o berço de várias civilizações antigas. A ideia de criar uma liga ou federação de países árabes estava também a ganhar terreno. Esta proposta visava estabelecer uma estrutura formal de cooperação política, económica e cultural entre os Estados árabes, permitindo uma coordenação mais eficaz das suas políticas e interesses comuns.
A formação e os desafios da Liga dos Estados Árabes
Estes debates conduziram à criação da Liga Árabe em 1945, uma organização regional destinada a fomentar a cooperação entre os Estados membros e a promover os interesses e a identidade árabes. A criação da Liga Árabe foi um momento decisivo na história moderna do Médio Oriente, simbolizando o reconhecimento da importância da cooperação regional e da unidade árabe. Estas diferentes propostas reflectem a diversidade de abordagens e de visões da unidade árabe nessa altura. Mostram também que, mesmo antes da ascensão do nasserismo e do baathismo, já estavam em curso esforços para estabelecer estruturas políticas e alianças regionais entre os países árabes.
O Protocolo de Alexandria, assinado em 1944, lançou as bases do que viria a ser a Liga dos Estados Árabes. Este passo crucial marcou um esforço concertado das nações árabes para formalizar uma estrutura de cooperação regional, uma iniciativa que reflectia as aspirações crescentes de unidade e colaboração no mundo árabe. Em 22 de março de 1945, a Liga dos Estados Árabes foi oficialmente constituída. Os seus membros fundadores, o Egipto, o Iraque, a Jordânia (então Transjordânia), o Líbano, a Arábia Saudita, a Síria e o Iémen do Norte, representavam uma vasta secção da diversidade política, cultural e económica do mundo árabe. O objetivo da Liga era promover os interesses políticos, económicos, culturais e sociais dos países árabes e coordenar os seus esforços em áreas de interesse comum.
No entanto, o funcionamento interno da Liga dos Estados Árabes revelou-se complexo. A sua estrutura, que exige um consenso entre os seus membros para as decisões mais importantes, dificultava frequentemente a tomada de decisões rápidas e eficazes. Esta dificuldade foi exacerbada pela grande diversidade dos sistemas políticos, das orientações ideológicas e dos interesses nacionais dos Estados membros. Além disso, apesar da sua identidade cultural e histórica comum, os países árabes demonstraram pouca integração económica. O comércio entre os Estados membros era relativamente limitado e as suas economias estavam frequentemente orientadas para as relações com parceiros não árabes. Esta situação reflectia os desafios colocados pelas fronteiras e estruturas económicas herdadas da era colonial, bem como as disparidades em termos de recursos naturais e desenvolvimento industrial. Apesar destes desafios, a Liga dos Estados Árabes representou um passo importante para o reconhecimento e a afirmação da identidade árabe na cena internacional. No entanto, a realização dos seus objectivos de unidade e cooperação foi muitas vezes dificultada pelas complexas realidades políticas e económicas do mundo árabe.
Tentativas de unidade regional: União das Repúblicas Árabes e Magrebe
A tentativa de criar a União das Repúblicas Árabes em 1971 é outro exemplo dos esforços para reforçar a unidade e a cooperação no mundo árabe, embora não tenha conduzido a resultados concretos. Esta iniciativa, que visava unir o Egipto, a Líbia e a Síria numa federação, reflectia a prossecução do ideal de unidade árabe que tinha estado no centro de muitas políticas regionais desde os anos cinquenta. No entanto, apesar de ter sido anunciada com grande alarido, a União das Repúblicas Árabes foi afetada por divergências internas e por uma falta de coordenação prática entre os países membros. As diferenças ideológicas, os interesses nacionais divergentes e as personalidades fortes dos seus líderes impediram qualquer integração política ou económica significativa. Esta experiência pôs em evidência os desafios inerentes à criação de uma união política numa região tão diversificada.
Também no Magrebe, as várias tentativas de reunir os Estados da região falharam. Apesar dos laços culturais e históricos comuns, os países do Magrebe (Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Mauritânia) conheceram trajectórias políticas diferentes, o que dificultou o estabelecimento de uma cooperação regional estreita. As tentativas de criação de organizações ou uniões foram muitas vezes dificultadas por rivalidades políticas, diferenças de orientação ideológica e problemas económicos.
O Conselho de Cooperação do Golfo e a nova dinâmica regional
Após a revolução islâmica no Irão, em 1979, os Estados do Golfo, confrontados com uma nova dinâmica regional, tentaram formar um conselho de concertação. O objetivo desta iniciativa era coordenar políticas e reforçar a segurança colectiva face ao que era visto como uma ameaça crescente do Irão. Mais uma vez, porém, os resultados concretos foram limitados. Embora o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) tenha sido formado em 1981, reunindo a Arábia Saudita, o Kuwait, os Emirados Árabes Unidos, o Qatar, o Barém e Omã, tem enfrentado os seus próprios desafios internos, nomeadamente em termos de política externa e de segurança.
Estas várias tentativas sublinham a complexidade dos esforços de unificação e cooperação numa região marcada por profundas divisões políticas, económicas e ideológicas. Reflectem igualmente os limites das iniciativas regionais no contexto de um Médio Oriente e de um Magrebe em constante mutação.
Pan-Islamismo
Wahhabismo
O wahhabismo, uma doutrina religiosa e uma forma de movimento islâmico, teve uma influência significativa em certas regiões do mundo árabe, mas a sua ligação com o arabismo ou o nacionalismo árabe é complexa e precisa de ser clarificada.
O wahhabismo, fundado por Mohammed ibn Abd al-Wahhab no século XVIII na Península Arábica, defende uma interpretação rigorosa e puritana do Islão. Centra-se num regresso às práticas dos "salaf" ou primeiras gerações de muçulmanos, considerados modelos de piedade e de prática islâmica. Esta abordagem insiste na adesão estrita à sharia (lei islâmica) e rejeita as inovações (bid'ah) na prática religiosa. No entanto, a ligação entre o wahhabismo e o arabismo ou nacionalismo árabe é indireta. O nacionalismo árabe, enquanto movimento político e ideológico, sublinha a unidade e a independência dos árabes enquanto povo, centrando-se frequentemente em aspectos culturais, linguísticos e históricos comuns. Embora o wahhabismo seja uma força influente na Península Arábica, em particular na Arábia Saudita, é sobretudo uma reforma religiosa e não um movimento nacionalista.
O wahhabismo tem, no entanto, desempenhado um papel na formação da identidade política e religiosa em algumas partes do mundo árabe, nomeadamente na Arábia Saudita. A aliança entre Muhammad ibn Abd al-Wahhab e a Casa de Saud foi crucial para a formação do Estado saudita moderno. Esta aliança integrou elementos do wahhabismo nas estruturas políticas e sociais da Arábia Saudita, mas este facto não deve ser confundido com o nacionalismo árabe enquanto tal. É também importante notar que o nacionalismo árabe e o wahhabismo podem até estar em tensão. O nacionalismo árabe, com as suas tendências seculares e ênfase na unidade política e cultural, pode entrar em conflito com a abordagem religiosa conservadora e por vezes sectária do wahhabismo. Em suma, embora o wahhabismo tenha influenciado a história e a política de certas regiões árabes, representa uma tendência distinta e por vezes até contraditória em relação aos princípios do nacionalismo árabe.
A relação entre Mohammed Ben Abdelwahhab, o fundador do wahhabismo, e Mohammed Ibn Saud, o chefe da Casa de Saud, é crucial para compreender a génese da Arábia Saudita moderna e a influência do wahhabismo na região. Mohammed Ben Abdelwahhab, nascido em 1703, pregou uma forma de reforma islâmica que visava purificar a prática religiosa daquilo que ele considerava serem as inovações e superstições que se tinham infiltrado no Islão ao longo do tempo. A sua doutrina centrava-se num regresso rigoroso aos ensinamentos do Corão e da Sunna, seguindo o exemplo das primeiras gerações de muçulmanos (salaf).
O seu encontro e a sua aliança com Mohammed Ibn Saud, em meados do século XVIII, marcaram um ponto de viragem decisivo. Ibn Saud, governante da região de Najd, na Península Arábica, adoptou os ensinamentos de Abdelwahhab e incorporou os seus princípios na governação do seu território. Esta aliança combinou a reforma religiosa wahhabi com a ambição política e militar saudita, criando uma força poderosa na região. Juntos, desafiaram a autoridade do Califado Otomano, dominante na região na altura, e procuraram alargar a sua influência. O seu movimento não era apenas religioso, mas também político, procurando estabelecer uma nova ordem baseada nos princípios wahhabitas. Esta combinação de reforma religiosa e ambição política conduziu a uma politização crescente da religião na região. O resultado desta aliança foi a criação do primeiro Emirado Saudita, com capital em Dariya. Este Emirado foi o antecessor da Arábia Saudita moderna e lançou as bases da influência wahhabita na governação e na sociedade sauditas. A aliança entre os sauditas e Abdelwahhab desempenhou assim um papel fundamental na formação do Estado saudita e teve uma influência duradoura na política e na prática religiosa da região do Golfo.
O acordo entre Mohammed Ben Abdelwahhab e Mohammed Ibn Saud é frequentemente descrito como um pacto de partilha de poder e de apoio mútuo que lançou as bases do moderno Estado saudita. O pacto, que remonta a meados do século XVIII, estabeleceu uma divisão de responsabilidades entre as duas partes: Ben Abdelwahhab concentrava-se nas questões religiosas, pregando e estabelecendo os fundamentos wahhabitas do Islão, enquanto Ibn Saud se ocupava dos aspectos políticos e militares, alargando o seu poder na região. Esta parceria única entre o poder religioso e o poder político foi essencial para a fundação e expansão do Emirado Saudita, a entidade política que viria a tornar-se a Arábia Saudita. Ben Abdelwahhab forneceu a legitimidade religiosa, insistindo numa interpretação puritana e rigorosa do Islão, enquanto Ibn Saud utilizou esta legitimidade para unificar e alargar o seu poder sobre as tribos e os territórios da Península Arábica.
O pacto entre os dois homens estabeleceu uma relação simbiótica entre a Casa de Saud e os descendentes religiosos de Ben Abdelwahhab (frequentemente designados por "Al ash-Sheikh"), que se manteve durante quase 300 anos. Esta relação caracterizou-se pelo apoio mútuo, com os Saud a protegerem e a promoverem o wahhabismo, enquanto os líderes religiosos wahhabitas legitimavam o poder político dos Saud. Esta aliança deu o impulso ideológico e político para a expansão saudita na Península Arábica. Estabeleceu também um modelo de governação em que a religião e o Estado estão intimamente ligados, com o wahhabismo a tornar-se uma caraterística definidora da identidade nacional saudita. O acordo original entre Ben Abdelwahhab e Ibn Saud desempenhou, portanto, um papel fundamental na formação da Arábia Saudita e continua a influenciar a estrutura política e religiosa do país. Esta relação única entre o poder religioso e o poder político continua a ser central na sociedade e na política sauditas.
Modernismo árabe ou "nahda"
A Nahda, ou Renascença Árabe, foi um período crucial na história intelectual e cultural do mundo árabe, tendo o Egipto desempenhado um papel central neste movimento. Jamal al-Din al-Afghani (1839-1897) é frequentemente citado como um dos principais teóricos deste período. A sua influência e as suas ideias foram decisivas para a formação do modernismo árabe e do modernismo islâmico.
Al-Afghani, pensador e ativista político, mudou-se para o Egipto na casa dos trinta anos. O seu período no Egipto foi marcado por uma estreita colaboração com Mohammed Abduh, que viria a tornar-se Mufti do Egipto. Juntos, empenharam-se na reforma e modernização do pensamento e das instituições islâmicas, procurando responder aos desafios colocados pela expansão europeia e pelo domínio colonial. A sua abordagem, frequentemente designada por modernismo islâmico, tinha por objetivo conciliar os princípios islâmicos com as ideias modernas e os avanços científicos. Defendiam uma interpretação do Corão e das tradições islâmicas que fosse simultaneamente fiel às fontes e aberta a novas interpretações e adaptações às realidades contemporâneas. Esta visão procurava revitalizar a sociedade muçulmana e promover a educação, a racionalidade e o progresso científico como forma de resistir à influência ocidental e revitalizar a cultura árabe-muçulmana.
O modernismo islâmico de Al-Afghani e Abduh teve um impacto significativo no mundo árabe, influenciando muitos intelectuais e reformadores posteriores. O seu trabalho contribuiu para a Nahda, encorajando um espírito de questionamento e de reforma nos domínios da religião, da filosofia, da literatura e da política. A Nahda, enquanto movimento, representou um ponto de viragem decisivo para o mundo árabe, marcando um período de renascimento intelectual, cultural e político. A influência de pensadores como Al-Afghani e Abduh foi crucial para dar forma a uma visão do mundo árabe simultaneamente enraizada na sua herança e virada para o futuro, procurando encontrar um equilíbrio entre tradição e modernidade.
O processo Nahda conduziu a um notável surto cultural no mundo árabe, caracterizado por uma redescoberta e reavaliação do património histórico e cultural árabe. Este movimento marcou um período de despertar intelectual e artístico, durante o qual os intelectuais, escritores, poetas e artistas árabes exploraram e celebraram a história e a cultura árabes, integrando-as num contexto moderno. O arabismo cultural deste período foi marcado por um interesse renovado na língua árabe, na literatura, na história e nas artes. Os intelectuais da Nahda procuraram revitalizar a língua árabe, modernizando-a e preservando o seu rico e complexo património. Este período assistiu ao aparecimento de novas formas literárias, como o romance e o conto, bem como ao renascimento de formas clássicas como a poesia.
A redescoberta do património histórico e glorioso do mundo árabe foi outra componente fundamental do arabismo cultural da Nahda. Os historiadores e pensadores revisitaram períodos de grandeza da civilização árabe-muçulmana, como a Idade de Ouro islâmica, e procuraram formas de restabelecer a ligação a este património no contexto dos desafios contemporâneos. Esta abordagem tinha por objetivo reforçar um sentimento de orgulho e identidade árabes, proporcionando simultaneamente um quadro para a modernização e o progresso. Além disso, a ascensão cultural do Nahda também se caracterizou por um diálogo crescente com as culturas e ideias ocidentais. Os intelectuais do Nahda defendiam frequentemente uma abordagem equilibrada, abraçando os avanços científicos e intelectuais ocidentais e preservando simultaneamente os valores e as tradições árabes. O Nahda, no seu conjunto, representou, portanto, um momento crucial na história cultural do mundo árabe, marcando um período de renovação, reflexão e inovação. O impacto deste movimento ainda hoje se faz sentir, tanto no domínio da cultura como no do pensamento político e social do mundo árabe.
O movimento Nahda, caracterizado pela sua abordagem inclusiva e pela sua ênfase na língua árabe, transcendeu as distinções confessionais, unindo árabes de diferentes crenças em torno de um património cultural e linguístico comum. Ao enfatizar o árabe como a língua da literatura, da educação e do discurso público, este movimento fomentou um sentido de identidade pan-árabe que ultrapassava as divisões religiosas ou sectárias. O Nahda encorajou um renascimento em todos os aspectos da vida intelectual e cultural. Assistiu-se à criação de partidos políticos, associações, ligas e organizações que promoveram vários aspectos da educação, da reforma social e da modernização. Estes grupos eram frequentemente motivados pela ideia de que o renascimento cultural e linguístico era essencial para a renovação política e social do mundo árabe.
Os partidos políticos formados durante este período procuraram canalizar as aspirações nacionais e regionais para programas políticos. Estes partidos, embora diferentes nas suas orientações ideológicas, partilhavam frequentemente o compromisso de reforçar a identidade árabe e de modernizar a sociedade. As associações e ligas criadas durante o Nahda desempenharam um papel fundamental na divulgação de novas ideias, na organização de actividades culturais e na promoção da educação e da investigação. Eram locais onde os intelectuais e os artistas se podiam encontrar, trocar ideias e colaborar em projectos culturais e educativos. Este período assistiu também ao aparecimento de novos meios de comunicação social, como os jornais e as revistas, que desempenharam um papel crucial na divulgação das ideias do Nahda. Estas publicações proporcionaram uma plataforma para debates sobre reforma, política, literatura e cultura e foram essenciais para alcançar um público mais vasto.
O pan-islamismo promovido pelo sultão otomano Abdülhamid II (reinou em 1876-1909) representou uma abordagem política particular que influenciou o nacionalismo árabe, embora fosse distinta deste último. O pan-islamismo de Abdülhamid II visava consolidar a autoridade otomana e unificar os diversos povos muçulmanos do império em torno do Islão, em resposta às pressões internas e externas que o Império Otomano enfrentava na altura.
Confrontado com desafios como a ascensão do nacionalismo em várias partes do império e a pressão das potências europeias, Abdülhamid II adoptou uma estratégia de centralização política e administrativa. Procurou reforçar o controlo central do Império sobre os seus territórios, incluindo as regiões árabes, criando procedimentos de centralização, investigação e repressão. A ênfase dada por Abdülhamid ao Islão como elemento unificador destinava-se a contrariar as tendências separatistas e a manter a coesão do império. No entanto, esta estratégia teve frequentemente o efeito contrário nas regiões árabes, onde a centralização e a repressão criaram ressentimentos e alimentaram os sentimentos nacionalistas árabes.
Muitos activistas e intelectuais árabes, em resposta às políticas repressivas de Abdülhamid II, procuraram refúgio no Egipto, que era então visto como um centro de pensamento liberal e de relativa autonomia em relação ao domínio otomano. O Egipto tornou-se um viveiro do pensamento nacionalista árabe e da Nahda, onde os exilados podiam exprimir-se mais livremente e participar no debate intelectual e político. Embora o pan-islamismo de Abdulhamid tenha sido concebido como um meio de reforçar o Império Otomano, teve um impacto significativo no desenvolvimento do nacionalismo árabe. As políticas do sultão contribuíram, paradoxalmente, para o despertar de uma consciência nacional entre os árabes, que começaram a procurar formas de alcançar a sua própria autonomia política e cultural.
O Conflito Israelo-Palestiniano
Origens históricas do nome "Palestina"
A noção de "Palestina" remonta a muito antes do Império Otomano, tendo as suas origens na Antiguidade. O próprio nome "Palestina" tem raízes históricas que remontam a vários milénios.
O termo "Palestina" deriva de "Philistia" ou "Peleshet" em hebraico, que designava uma região habitada pelos filisteus por volta do século XII a.C.. Os filisteus eram um povo do Mar Egeu que se estabeleceu ao longo da costa sudeste do Mediterrâneo, na região que hoje inclui a Faixa de Gaza e os seus arredores. O termo "Palestina" foi utilizado oficialmente pela primeira vez pelo imperador romano Adriano, após a revolta judaica de Bar Kokhba, em 135 d.C. Num esforço para apagar a ligação judaica à terra de Israel, após a revolta, Adriano mudou o nome da província da Judeia para "Síria Palaestina", um nome que se tornou posteriormente comum na literatura e nos documentos históricos.
Ao longo dos séculos, a região sofreu vários domínios e influências, incluindo os bizantinos, os árabes muçulmanos, os cruzados, os mamelucos e, finalmente, os otomanos, cada um deles deixando a sua própria marca cultural e histórica. No entanto, o termo "Palestina" continuou a ser utilizado ao longo de todos estes períodos para designar esta região geográfica. É importante notar que a conceção moderna da Palestina como entidade política e nacional distinta tomou forma mais recentemente na história, em especial com o desmantelamento do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial e o estabelecimento do Mandato Britânico sobre a Palestina. A noção contemporânea da Palestina como território e identidade nacional é, portanto, em parte, o resultado da evolução política do século XX.
Durante os primeiros séculos da expansão islâmica, após a conquista da região pelos árabes no século VII, a "terra santa" foi frequentemente incluída em entidades administrativas de maior dimensão sob o califado islâmico. No entanto, o termo "Palestina" foi utilizado em vários contextos para designar a região, embora não fosse uma entidade administrativa oficial sob o domínio islâmico. O termo era utilizado tanto pela população local como por estrangeiros para designar a região geográfica que incluía a Judeia, a Samaria, a Galileia e outras zonas. Com as conquistas europeias, nomeadamente durante as Cruzadas, o termo "Palestina" começou a ser utilizado com mais frequência para designar esta região. Os cruzados, que procuravam controlar os lugares santos da cristandade, utilizavam o termo nas suas descrições e mapas.
Com o passar do tempo e, em especial, nos séculos XIX e XX, à medida que o interesse europeu pela região aumentava e o Império Otomano entrava em declínio, o termo "Palestina" passou a ser cada vez mais utilizado para descrever especificamente a região. Esta mudança coincidiu com o aparecimento do nacionalismo árabe e do sionismo, com ambos os movimentos a reivindicarem laços históricos e culturais com a Palestina. Os habitantes árabes desta região começaram a adotar o termo "Palestina" para designar o território no qual previam a criação de um futuro Estado árabe. Esta utilização foi reforçada pelo mandato britânico sobre a Palestina após a Primeira Guerra Mundial, quando a Palestina foi oficialmente reconhecida como uma unidade territorial autónoma.
A Palestina sob influência otomana e o Mandato Britânico
No século XIX, Jerusalém e outras partes do território então conhecido como Palestina foram palco de intensas e complexas rivalidades entre igrejas, Estados e potências estrangeiras. Estas tensões eram particularmente agudas em Jerusalém, um lugar de grande importância religiosa para cristãos, muçulmanos e judeus. Os "Lugares Santos" em Jerusalém e nos seus arredores estiveram no centro das lutas de influência entre as diferentes confissões cristãs (católica, ortodoxa, arménia, etc.), bem como entre as potências europeias, cada uma procurando alargar ou proteger a sua influência na região. Esta concorrência estava frequentemente ligada às ambições imperialistas das potências europeias, nomeadamente da França, da Rússia e do Reino Unido, que utilizavam a proteção das comunidades cristãs como pretexto para intervir nos assuntos otomanos.
Perante estas tensões e a crescente interferência estrangeira, o Império Otomano tomou medidas para reforçar o seu controlo direto sobre Jerusalém. Colocar a cidade sob a autoridade direta de Constantinopla (atual Istambul) foi uma forma de o governo otomano manter a ordem e afirmar a sua soberania sobre este território estratégica e simbolicamente importante. Esta decisão reflectia também a necessidade de gerir as delicadas relações entre as diferentes comunidades religiosas e de responder às pressões das potências estrangeiras. Neste período, foi aplicado o Statu quo, um conjunto de regras e convenções estabelecidas para regular os direitos e privilégios das diferentes comunidades religiosas nos Lugares Santos. O Statu quo tinha como objetivo manter o equilíbrio entre as diferentes comunidades e evitar conflitos, embora as tensões persistissem.
O período que se seguiu ao desaparecimento do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial foi um período de profundas mudanças políticas e territoriais no Médio Oriente, incluindo a área que hoje conhecemos como Palestina. Com o fim do Império Otomano, a Palestina ficou sob mandato britânico, em conformidade com os acordos da Liga das Nações. Os britânicos continuaram a utilizar o termo "Palestina" para se referirem a este território, embora a expressão "Sul da Síria" também fosse por vezes utilizada para designar a região, reflectindo a sua proximidade geográfica e histórica com a Síria.
Do lado sionista, o termo "Estado árabe" foi por vezes utilizado para designar a parte do Mandato Britânico da Palestina prevista para a maioria árabe na proposta de partilha da ONU de 1947. Esta proposta previa a criação de dois Estados separados, um judeu e um árabe, com Jerusalém sob um regime internacional especial. No entanto, o Estado árabe previsto no plano de partilha nunca foi criado, em parte porque os líderes árabes rejeitaram o plano e em parte devido à guerra israelo-árabe de 1948.
A emergência do nacionalismo palestiniano e os conflitos do século XX
O processo de nacionalismo árabe na região do Mandato da Palestina foi complexo e influenciado por uma série de factores. As vagas de migração, tanto de judeus que fugiam da perseguição na Europa como de árabes de outras partes do Médio Oriente, alteraram a composição demográfica da região. Além disso, as questões político-religiosas, ligadas tanto à ascensão do sionismo como ao nacionalismo árabe, desempenharam um papel fundamental na definição das identidades e das reivindicações territoriais. Para os nacionalistas árabes na Palestina sob mandato e noutros locais, a defesa da terra era muitas vezes expressa em termos de arabismo, uma ideologia que sublinhava a identidade e a unidade árabes. Este sentimento foi reforçado pela perceção de uma ameaça à identidade árabe e aos direitos das populações árabes face à imigração judaica e às aspirações sionistas na região.
Durante o período do mandato britânico na Palestina, as tensões entre as comunidades judaica e árabe conduziram a uma série de actos de violência, incluindo massacres, assassinatos e atentados bombistas. A Grande Revolta Árabe de 1936-1939 na Palestina foi um momento-chave deste período. Foi desencadeada pela crescente frustração da população árabe face à imigração judaica e às políticas do Mandato Britânico. A revolta foi marcada por ataques a alvos judeus e britânicos e por uma forte repressão britânica. Em resposta à revolta e ao aumento das tensões, o Governo britânico recorreu à Liga das Nações, que criou a Comissão Peel em 1937. A Comissão Peel propôs o primeiro plano de partilha da Palestina, prevendo a criação de dois Estados separados, um judeu e um árabe, com Jerusalém sob controlo internacional. Este plano foi rejeitado pela maioria dos líderes árabes, que se opunham a qualquer forma de divisão territorial e à ideia de um Estado judeu. Foi também rejeitado pelos grupos revisionistas judeus, que exigiam um território mais vasto para o Estado judaico.
As tensões continuaram a aumentar até 1947, altura em que os britânicos, esgotados pelas dificuldades de governação e incapazes de manter a paz, decidiram entregar o seu mandato sobre a Palestina à Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU propôs então um segundo plano de partilha em 1947, que previa igualmente a criação de dois Estados. Este plano foi aceite pela maioria dos representantes judeus, mas rejeitado pelos árabes palestinianos e pelos Estados árabes vizinhos. No período que se seguiu, assistiu-se a uma escalada das hostilidades que conduziu à guerra israelo-árabe de 1948, na sequência da declaração de independência do Estado de Israel. Esta guerra e os acontecimentos que a rodearam foram determinantes para a configuração do moderno conflito israelo-árabe, com consequências duradouras para a região.
Nakba e a formação da diáspora palestiniana
O êxodo palestiniano de 1948, vulgarmente conhecido por Nakba (que significa "catástrofe" em árabe), é um acontecimento central na história da Palestina e no conflito israelo-árabe. Refere-se à fuga e expulsão de centenas de milhares de palestinianos árabes das suas casas e terras durante a guerra de 1948 que se seguiu à criação do Estado de Israel. A Nakba teve início no contexto da guerra civil no Mandato Britânico da Palestina, agravada pelo plano de partilha da ONU em 1947, e intensificou-se com a guerra israelo-árabe de 1948. Durante este período, muitas cidades e aldeias árabes foram esvaziadas dos seus habitantes devido aos combates, às expulsões, aos receios de massacres e à pressão psicológica. Durante este período, assistiu-se a deslocações maciças da população, que conduziram a uma crise humanitária e à formação de uma grande população de refugiados palestinianos.
A questão dos refugiados palestinianos tornou-se uma das questões mais complexas e duradouras do conflito israelo-árabe. Muitos destes refugiados e dos seus descendentes vivem atualmente em campos de refugiados nos países vizinhos, como o Líbano, a Jordânia e a Síria, bem como na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. O direito de regresso dos refugiados palestinianos é uma questão fundamental nas negociações de paz, mas continua a ser um importante ponto de discórdia. A Nakba foi também um fator determinante para a formação da diáspora palestiniana. Os palestinianos que foram deslocados das suas casas e se estabeleceram noutros países continuaram a manter a sua identidade cultural e nacional, contribuindo para a causa palestiniana de diferentes formas. A comemoração anual da Nakba é um momento importante para a comunidade palestiniana, tanto nos territórios palestinianos como na diáspora, simbolizando a sua experiência comum de perda, resistência e esperança de regresso.
O Movimento de Libertação da Palestina: da OLP ao Hamas
O movimento nacionalista palestiniano sofreu uma evolução significativa no final dos anos 50 e início dos anos 60, marcada por uma reorientação para a identidade palestiniana específica, em parte em resposta à perceção de que os interesses palestinianos não eram suficientemente representados ou defendidos pelos líderes árabes regionais. Este período assistiu ao aparecimento de novas organizações e movimentos políticos palestinianos, dos quais o mais notável foi a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), fundada em 1964. Yasser Arafat, que se tornou uma figura de proa do movimento palestiniano, desempenhou um papel crucial nesta evolução. Arafat e os seus colegas no seio da estrutura da OLP e, em especial, no seio do movimento Fatah, começaram a articular uma visão que sublinhava a luta por um Estado palestiniano independente, distinto dos objectivos pan-árabes mais vastos que tinham dominado os anteriores discursos sobre a Palestina.
Esta redefinição do movimento palestiniano foi acompanhada por uma estratégia de luta armada, vista como um meio de libertação e de reivindicação de direitos sobre as terras palestinianas. A OLP e outros grupos palestinianos levaram a cabo várias operações militares e ataques contra alvos israelitas, tanto dentro como fora de Israel. Este período foi também marcado por tensões e conflitos com os Estados árabes vizinhos, alguns dos quais apoiavam o movimento palestiniano, enquanto outros se opunham aos seus métodos ou objectivos políticos. Os anos de 1958-59 marcaram um ponto de viragem no movimento nacionalista palestiniano, com a passagem de uma orientação pan-árabe para uma focalização na identidade e nas aspirações nacionais palestinianas. Sob a liderança de figuras como Yasser Arafat, o movimento começou a apelar mais explicitamente à criação de um Estado palestiniano, utilizando a luta armada como meio para atingir os seus objectivos.
Já em 1963, operações militares conduzidas por grupos palestinianos, nomeadamente a Fatah liderada por Yasser Arafat, começaram a atuar a partir da Jordânia contra alvos israelitas. Estas acções ajudaram a estabelecer Arafat como uma figura central do movimento palestiniano, ganhando apoio popular entre os árabes através destas iniciativas militares. No entanto, as reacções israelitas a estes ataques colocaram a Jordânia numa posição delicada. Em 1970, após uma série de tensões e conflitos crescentes, conhecidos como setembro Negro, o rei Hussein da Jordânia ordenou uma ação militar que levou à expulsão dos combatentes palestinianos do país. Estes combatentes instalaram-se depois, em grande parte, no Líbano. No Líbano, a presença de grupos armados palestinianos teve repercussões consideráveis. Estes grupos envolveram-se na guerra civil libanesa, o que complicou ainda mais a situação. Em 1982, após uma tentativa de assassinato do embaixador israelita em Londres, Israel lançou a Operação Paz na Galileia, uma grande invasão do Líbano. O objetivo declarado era destruir as bases dos combatentes palestinianos e fazer recuar o exército sírio. Esta invasão teve consequências dramáticas, tanto para o Líbano como para os palestinianos.
Durante este período, a perceção dos palestinianos no Líbano foi afetada e a sede da OLP acabou por ser transferida para o Norte de África. Yasser Arafat e a OLP começaram a rever os seus objectivos, chegando mesmo a considerar a hipótese de aceitar uma solução de dois Estados. A Intifada, que teve início em 1987 nos territórios palestinianos, revigorou o movimento nacionalista palestiniano. Esta revolta popular atraiu a atenção internacional para a causa palestiniana e contribuiu para alterar a dinâmica do conflito. Este período de turbulência e de realinhamentos acabou por conduzir aos Acordos de Oslo na década de 1990, quando a OLP, sob a liderança de Arafat, reconheceu oficialmente o Estado de Israel e aceitou o princípio da autonomia palestiniana em troca da paz. Estes acordos marcaram um momento importante na história do conflito israelo-palestiniano, abrindo caminho a uma nova era de negociações e de diálogo, embora o processo de paz continue a ser complexo e inacabado.
Conflito contínuo e atual divisão política
As negociações entre a OLP, sob a liderança de Yasser Arafat, e Israel, apesar de terem marcado um ponto de viragem histórico com os Acordos de Oslo, fracassaram, sobretudo em questões sensíveis como os colonatos israelitas nos territórios palestinianos e o direito de regresso dos refugiados palestinianos. Estas questões continuaram a ser os principais pontos de discórdia, dificultando os progressos no sentido de uma solução duradoura para o conflito. Simultaneamente, Yasser Arafat e a Autoridade Palestiniana foram alvo de críticas internas, nomeadamente por parte de grupos nacionalistas e islamistas como o Hamas. Arafat foi acusado de incompetência, corrupção e nepotismo, o que contribuiu para uma perda de confiança e de legitimidade entre certos sectores da população palestiniana.
O Hamas, um movimento islamista palestiniano, ganhou influência política durante este período. Fundado em 1987, o Hamas defendia uma abordagem mais islâmica do movimento palestiniano, distinguindo-se da OLP pela sua posição ideológica e pelas suas tácticas. O Hamas rejeitou os Acordos de Oslo e manteve uma posição de resistência armada contra Israel, considerando a luta armada como um meio essencial para atingir os objectivos palestinianos. A ascensão do Hamas e de outros grupos islamistas marcou uma terceira fase do movimento palestiniano, em que as linhas de fratura entre as diferentes facções palestinianas se aprofundaram. Esta fase caracterizou-se por uma diversificação das abordagens e das estratégias no seio do movimento palestiniano, reflectindo um leque mais vasto de pontos de vista e de tácticas no que se refere à realização dos objectivos palestinianos. Este período foi também marcado por tensões crescentes entre a Autoridade Palestiniana, dominada pela Fatah, e o Hamas, sobretudo depois de este último ter ganho as eleições legislativas palestinianas de 2006. Estas tensões conduziram a conflitos internos e a uma divisão política entre a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e a Cisjordânia, sob a autoridade da Autoridade Palestiniana.
O recomeço da luta armada e das acções ao estilo da Intifada pelo Hamas nos territórios palestinianos é marcado por uma retórica de jihad contra Israel. Fundado em 1987, o Hamas tem um braço político e um braço armado e tem desempenhado um papel importante no conflito israelo-palestiniano. Em 2006, o Hamas obteve uma vitória significativa nas eleições legislativas palestinianas. No entanto, o Hamas é considerado uma organização terrorista por vários países, incluindo os Estados Unidos e os membros da União Europeia. Esta designação deve-se ao facto de o Hamas utilizar tácticas de luta armada, incluindo atentados suicidas e o lançamento de rockets contra alvos civis israelitas.
A vitória eleitoral do Hamas conduziu a uma grande divisão política nos territórios palestinianos. Surgiram dois governos distintos: um controlado pela Fatah na Cisjordânia e o outro pelo Hamas na Faixa de Gaza. Esta divisão veio agravar as dificuldades políticas e económicas nos territórios palestinianos. O território palestiniano continua fragmentado e desafios como o desemprego, a pobreza e a corrupção tornaram a situação política e económica ainda mais precária. Tanto a Autoridade Palestiniana, na Cisjordânia, como o Governo do Hamas, em Gaza, enfrentam importantes desafios internos e externos na gestão dos assuntos palestinianos.
O Caso Curdo
Antecedentes históricos do movimento curdo
O movimento curdo, com as suas aspirações à autodeterminação, tem as suas raízes na complexa e tumultuosa história do Médio Oriente, particularmente no contexto da dissolução do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial. O povo curdo, disperso principalmente entre a Turquia, o Irão, o Iraque e a Síria, tem procurado constantemente afirmar a sua identidade e reivindicar os seus direitos políticos e culturais numa região marcada por fronteiras frequentemente traçadas sem ter em conta as realidades étnicas e culturais.
Após a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Sèvres de 1920 previa a criação de um Estado curdo. No entanto, este tratado foi substituído pelo Tratado de Lausanne em 1923, que redefiniu as fronteiras da Turquia moderna sem conceder aos curdos um Estado independente. Este foi um momento decisivo, deixando os curdos sem um Estado-nação, apesar da sua identidade étnica e cultural distinta. No Iraque, o movimento curdo passou por várias fases de rebelião e de negociações com o governo central. A região do Curdistão iraquiano, após décadas de conflito, ganhou uma autonomia substancial na sequência da Guerra do Golfo em 1991, tendo a sua posição sido reforçada após a invasão do Iraque em 2003. O Governo Regional do Curdistão, liderado por figuras como Massoud Barzani, criou uma entidade semi-autónoma com a sua própria administração e forças de segurança. Na Turquia, o conflito curdo tem sido largamente dominado pela luta do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), liderado por Abdullah Öcalan. Fundado na década de 1970, o PKK tem travado uma guerra de guerrilha pelos direitos e pela autonomia dos curdos, um conflito que já causou dezenas de milhares de mortos. Apesar de várias tentativas de paz, a situação na Turquia continua tensa, com períodos de conflito e de reconciliação.
A guerra civil na Síria criou uma nova dinâmica para os curdos na região. As forças curdas, nomeadamente as Unidades de Proteção Popular (YPG), assumiram o controlo de grandes partes do nordeste da Síria, estabelecendo uma administração autónoma de facto nessas zonas. Este facto veio acrescentar um novo nível de complexidade à geopolítica regional, nomeadamente com o envolvimento dos curdos na luta contra o Estado Islâmico (EI). O movimento curdo, na sua busca de reconhecimento e de direitos, continua a moldar a política do Médio Oriente. A sua situação, frequentemente designada por "problema curdo", continua a ser um dos desafios mais espinhosos da região, envolvendo um mosaico de interesses locais, regionais e internacionais. Os curdos, ao mesmo tempo que procuram preservar a sua identidade única, lutam por um lugar num Médio Oriente em constante mutação, onde as questões da autonomia e da independência estão no centro dos debates políticos e sociais.
História e significado do termo "Curdistão"
O termo "Curdistão", que significa literalmente "a terra dos curdos", é utilizado há vários séculos, com referências que remontam, pelo menos, ao século XII. Este termo geográfico histórico refere-se à região habitada principalmente pelos curdos, um grupo étnico originário da região montanhosa que atravessa a Turquia moderna, o Irão, o Iraque e a Síria. Nos textos históricos, o termo "Curdistão" tem sido utilizado para descrever as regiões habitadas pelos curdos, mas é importante notar que a delimitação exacta e a extensão desta região têm variado ao longo do tempo, em função da dinâmica política, das mudanças de fronteiras e dos movimentos populacionais. Ao longo da história, esta região fez parte de vários impérios e Estados, incluindo os impérios persa, árabe, turco e otomano. Os curdos, apesar de manterem a sua identidade cultural e linguística distinta, estiveram muitas vezes sujeitos a um domínio externo e raramente gozaram de autonomia ou de um Estado-nação independente.
A noção do Curdistão como entidade política distinta ganhou proeminência no início do século XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Otomano, quando os curdos começaram a aspirar a uma maior autonomia ou independência. No entanto, as aspirações a um Curdistão independente ou autónomo chocaram com as realidades políticas dos modernos Estados-nação da região. Atualmente, embora o Curdistão não exista enquanto Estado soberano, o termo é amplamente utilizado para designar as regiões de maioria curda, em especial o Curdistão iraquiano, que goza de um grau significativo de autonomia no Iraque.
Impacto da Guerra Otomano-Sevídea nos curdos
A guerra entre os Sefevides iranianos e os Otomanos em 1514, marcada pela emblemática batalha de Chaldoran, foi um momento marcante na história do Médio Oriente e de particular importância para o povo curdo. Este confronto entre duas grandes potências da época, o Império Otomano sunita sob o reinado de Selim I e o Império Sefávida xiita liderado pelo Xá Ismail I, resultou numa vitória otomana que redefiniu o equilíbrio geopolítico na região. A região curda, que se situa na fronteira entre estes dois impérios, foi profundamente afetada por este conflito. A Batalha de Chaldoran não foi apenas uma luta pelo poder territorial, mas também um confronto ideológico entre o xiismo e o sunismo, que teve um impacto direto na população curda. Os territórios curdos foram divididos, tendo alguns ficado sob controlo otomano e outros sob influência sefevita.
Neste contexto, os líderes curdos viram-se confrontados com escolhas difíceis. Alguns optaram por se aliar aos otomanos, na esperança de obter autonomia ou vantagens políticas, enquanto outros viram na aliança com os sefevides uma oportunidade semelhante. Estas decisões eram frequentemente influenciadas por considerações locais, incluindo rivalidades tribais e interesses políticos e económicos. As consequências para os curdos da Batalha de Chaldoran e das subsequentes guerras otomano-sevides foram significativas. Conduziram a uma fragmentação política e territorial que se prolongou durante séculos. Os curdos, divididos entre diferentes impérios e, mais tarde, Estados-nação, lutaram para manter a sua identidade cultural e linguística única e para preservar a sua autonomia.
Este período lançou as bases para os desafios políticos e as aspirações autónomas dos curdos nos séculos seguintes. A sua posição geográfica na encruzilhada de impérios fez dos curdos actores fundamentais da dinâmica regional, colocando-os frequentemente numa posição de vulnerabilidade face às ambições das potências vizinhas. A Batalha de Chaldoran e as suas repercussões são, por conseguinte, cruciais para compreender a complexidade da história curda e os desafios enfrentados por este povo na sua busca de autonomia e reconhecimento numa região em constante mutação.
O Tratado de Qasr-e Shirin e as suas consequências para os curdos
O Tratado de Qasr-e Shirin, também conhecido como Tratado de Zuhab, assinado em 1639 entre o Império Otomano e a dinastia sefardita da Pérsia, estabeleceu as fronteiras entre estes dois impérios, afectando de facto os territórios curdos. Este tratado marcou o fim de uma série de guerras otomano-persas e estabeleceu fronteiras que, em grande medida, permaneceram estáveis durante vários séculos e prefiguraram as fronteiras modernas da região. No entanto, é importante notar que, embora o tratado de 1639 tenha estabelecido fronteiras entre os impérios otomano e sefávida, estas fronteiras nem sempre foram claramente definidas ou administradas, especialmente nas regiões montanhosas habitadas pelos curdos. Os próprios curdos não tinham um Estado-nação próprio e estavam espalhados por ambos os lados da fronteira, vivendo sob a soberania otomana ou persa (mais tarde iraniana), consoante a região.
Foi só no século XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Otomano, que as fronteiras dos Estados modernos do Médio Oriente começaram a ser moldadas e administradas de forma mais rígida. O Acordo Sykes-Picot de 1916, seguido do Tratado de Sèvres em 1920 e do Tratado de Lausanne em 1923, redefiniu as fronteiras na região, resultando na divisão dos territórios curdos entre vários novos Estados-nação, incluindo a Turquia, o Iraque, a Síria e o Irão. Estes acontecimentos, ocorridos na década de 1940, formalizaram as fronteiras existentes e tiveram um impacto profundo na questão curda. A divisão dos territórios curdos entre diferentes Estados colocou desafios únicos ao povo curdo em termos de direitos culturais, políticos e linguísticos, tendo moldado a sua luta pela autonomia e pelo reconhecimento ao longo do século XX e até à atualidade.
Consequências do pós-Primeira Guerra Mundial para os curdos
No período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, o Médio Oriente assistiu a transformações políticas e territoriais consideráveis, que influenciaram significativamente a situação dos curdos. A queda do Império Otomano e a ascensão do pan-islamismo, bem como a criação de novos Estados nacionais, marcaram o início de uma nova era para o povo curdo. Após a guerra, as aspirações curdas à autonomia foram largamente postas de lado no contexto da formação de novos Estados-nação. Na Turquia, por exemplo, sob a liderança de Mustafa Kemal Atatürk, foi posta em prática uma política de turquificação, com o objetivo de criar uma identidade nacional unificada centrada na identidade turca. Esta política teve um impacto negativo nos direitos linguísticos e culturais dos curdos, exacerbando as tensões e alimentando as aspirações autonomistas. No Iraque e na Síria, sob os mandatos britânico e francês, respetivamente, a situação dos curdos tem sido complexa e flutuante. Apesar de certas medidas destinadas a reconhecer os direitos dos curdos, nomeadamente em termos de prestações sociais, esses esforços foram muitas vezes insuficientes para satisfazer plenamente as suas aspirações políticas e culturais. Estas políticas foram frequentemente marcadas por períodos de repressão e de marginalização.
Durante este período, as relações entre os curdos e outros grupos étnicos da região, como os arménios, foram tensas. Os conflitos na Anatólia Oriental e nas regiões fronteiriças entre a Turquia e a Arménia foram exacerbados pelas políticas estatais e pelas convulsões sociais. O genocídio arménio, por exemplo, provocou grandes deslocações de populações e tensões intercomunitárias. O contexto geopolítico pós-otomano teve um efeito profundo na vida dos curdos. Apanhados entre as ambições nacionalistas dos novos Estados e a dinâmica regional, os curdos viram-se numa posição difícil, procurando preservar a sua identidade e os seus direitos num ambiente político instável e frequentemente hostil. Esta época lançou as bases para as lutas contemporâneas pela autodeterminação curda, realçando os desafios persistentes enfrentados por este povo na sua busca de reconhecimento e autonomia.
Criação da primeira organização política curda
O ano de 1919 marca um ponto de viragem na história do povo curdo, com a criação da primeira organização política curda, significando a emergência de um movimento nacionalista curdo estruturado. Este período, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial e da dissolução do Império Otomano, abriu oportunidades e desafios sem precedentes para as aspirações curdas.
A organização política curda criada em 1919 foi a expressão concreta do desejo crescente dos curdos de tomarem o seu destino político nas suas próprias mãos. O seu objetivo era unir as várias tribos e comunidades curdas sob uma bandeira comum e articular as reivindicações de autonomia e mesmo de independência. O Tratado de Sèvres, assinado em 1920, parecia preparar o caminho para a concretização destas aspirações. Este tratado, que redesenhou as fronteiras da região após a queda do Império Otomano, incluía disposições de autonomia para o território curdo e a possibilidade de uma futura independência, se as comunidades curdas assim o desejassem. O reconhecimento formal da autonomia curda no Tratado de Sèvres foi visto como uma vitória significativa para o movimento nacionalista curdo. No entanto, as esperanças suscitadas pelo Tratado de Sèvres rapidamente se desvaneceram. O tratado nunca foi ratificado pela nova República Turca, liderada por Mustafa Kemal Atatürk, e foi substituído em 1923 pelo Tratado de Lausana. O Tratado de Lausana não fazia qualquer referência a um Curdistão autónomo, deixando as aspirações curdas sem apoio internacional. O período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial foi, portanto, um período de oportunidades e de frustração para os curdos. Apesar do aparecimento de um nacionalismo curdo organizado e do reconhecimento inicial dos seus direitos no Tratado de Sèvres, as esperanças de autonomia e independência depararam-se com a realidade de novos equilíbrios políticos e interesses nacionais no Médio Oriente reconfigurado.
Os desafios da criação de um Estado curdo
No período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, o Médio Oriente foi redesenhado pelas potências vencedoras, afectando profundamente as aspirações dos povos da região, incluindo as dos curdos. O Tratado de Sèvres de 1920, que prometia um certo grau de autonomia aos curdos, suscitou a esperança de um Estado curdo independente. No entanto, esta esperança durou pouco devido a uma série de factores fundamentais. A distribuição geográfica das populações curdas, dispersas entre as esferas de influência da França, da Grã-Bretanha e da Rússia, dificultou a formação de um Estado curdo unificado. Esta divisão territorial dificultou qualquer tentativa de criar uma entidade política curda coerente, uma vez que cada zona estava sujeita a políticas e influências diferentes. Além disso, as potências aliadas, principalmente a Grã-Bretanha e a França, que tinham redesenhado o mapa do Médio Oriente, estavam relutantes em alterar os seus planos para acolher um Estado curdo. Estas potências, preocupadas com os seus próprios interesses estratégicos na região, não estavam dispostas a apoiar a causa curda em detrimento dos seus próprios objectivos geopolíticos.
A questão da autonomia arménia também desempenhou um papel importante no fracasso da criação de um Estado curdo. Os territórios previstos para a autonomia arménia sobrepunham-se às zonas habitadas pelos curdos, criando conflitos sobre as reivindicações territoriais. Estas tensões exacerbaram a complexidade da situação, tornando ainda mais difícil chegar a um consenso sobre a questão curda. Outro fator importante foi a relativa fraqueza do nacionalismo curdo na altura. Ao contrário de outros movimentos nacionais da região, o nacionalismo curdo ainda não tinha desenvolvido uma base forte e unificada capaz de mobilizar eficazmente as massas. As divisões internas, as diferenças tribais e regionais, bem como as divergências de opinião sobre a estratégia a adotar, limitavam a capacidade dos curdos de apresentarem uma frente unida. Além disso, havia um debate no seio da comunidade curda sobre a aceitação ou rejeição do Tratado de Sèvres. Alguns curdos consideravam a possibilidade de se alinharem com o nacionalismo turco na esperança de preservarem alguma forma de autonomia num território turco unificado.
Em última análise, estes desafios e obstáculos levaram a que a ideia de um Estado curdo independente fosse abandonada nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial. A realidade política do Médio Oriente, moldada pelos interesses das potências coloniais e por dinâmicas internas complexas, tornou extremamente difícil a conquista da autonomia curda, lançando as bases para as lutas curdas pelo reconhecimento e autonomia nas décadas seguintes.
Curdistão turco
A política de assimilação na Turquia e a negação da identidade curda
O início da década de 1920 na Turquia, sob a liderança de Mustafa Kemal Atatürk, foi marcado por mudanças radicais na construção do Estado-nação turco. Um dos aspectos desta transformação foi a política de assimilação e aculturação das minorias étnicas, nomeadamente dos curdos. Em 1924, como parte destes esforços, a utilização dos termos "curdo" e "Curdistão" foi oficialmente proibida na Turquia, simbolizando uma negação explícita da identidade curda.
Esta política fazia parte de uma estratégia mais vasta de homogeneização cultural e linguística destinada a forjar uma identidade turca unificada. As autoridades turcas implementaram políticas destinadas a assimilar à força as populações curdas, incluindo a deslocação de populações e a supressão das expressões culturais e linguísticas curdas. Os curdos eram frequentemente descritos pelas autoridades turcas como "turcos das montanhas", numa tentativa de reinterpretar e negar a sua identidade distinta. Esta teorização tinha como objetivo justificar as políticas de assimilação, afirmando que as diferenças linguísticas e culturais eram simplesmente variações regionais no seio da população turca.
Estas políticas conduziram a um contexto de revolta permanente no seio da população curda. Os curdos, confrontados com a negação da sua identidade e a repressão dos seus direitos culturais e linguísticos, resistiram a estes esforços de assimilação. Esta resistência assumiu várias formas, desde a revolta armada até à preservação clandestina da cultura e da língua curdas. As revoltas curdas na Turquia, nomeadamente as lideradas por figuras como o xeque Said em 1925, foram momentos de confronto direto com o Estado turco. Estas rebeliões, embora reprimidas, puseram em evidência as profundas tensões e divergências entre o governo turco e a população curda.
Renascimento cultural curdo e tensões políticas após a Segunda Guerra Mundial
No final da Segunda Guerra Mundial, a Turquia passou por um período de transformação e crise de identidade que contribuiu indiretamente para um interesse renovado pela língua, cultura e história curdas. Este período marcou o renascimento do nacionalismo curdo, embora as circunstâncias fossem complexas e muitas vezes contraditórias. O período do pós-guerra na Turquia caracterizou-se por uma relativa abertura e por um questionamento da identidade nacional turca. Esta abertura levou a uma certa redescoberta da cultura curda, que tinha sido reprimida pelas políticas de assimilação kemalistas. Os intelectuais curdos e turcos começaram a explorar a história e a cultura curdas, contribuindo para uma consciência crescente de uma identidade curda distinta. Este renascimento cultural serviu de catalisador para o desenvolvimento do nacionalismo curdo, com uma nova geração de curdos a exigir mais abertamente os seus direitos culturais e políticos.
No entanto, este período foi também marcado pela instabilidade política na Turquia, com vários golpes militares e o aumento da repressão. Os regimes militares que chegaram ao poder na Turquia durante as décadas de 1960 e 1980, embora por vezes abertos a certas reformas, mantiveram uma linha dura em matéria de política étnica, nomeadamente no que respeita à questão curda. As políticas nacionalistas destes regimes conduziram frequentemente a uma nova repressão da expressão cultural e política curda. A tensão entre o renascimento cultural curdo e a repressão estatal conduziu a um período de conflito crescente. O movimento curdo, cada vez mais organizado e politizado, tem enfrentado grandes desafios, tanto da parte do Estado turco como da sua própria dinâmica interna. A questão curda tornou-se uma questão central na política turca, simbolizando os limites do modelo de Estado-nação na Turquia e os desafios colocados pela diversidade étnica e cultural do país.
A luta armada do PKK e o seu impacto na questão curda na Turquia
A luta armada do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que teve início em 1984, representa um ponto de viragem decisivo na história do movimento curdo na Turquia. Fundado por Abdullah Öcalan em 1978, o PKK surgiu como um movimento marxista-leninista, orientado para a luta de classes e para a independência dos curdos. A decisão do PKK de lançar uma campanha de guerrilha contra o Estado turco marcou o início de um período prolongado de conflito armado que teve um efeito profundo no sudeste da Turquia e na comunidade curda.
O contexto em que o PKK iniciou a sua luta armada era complexo. A década de 1980 na Turquia foi um período de tensão política e de aumento da repressão contra os grupos dissidentes, incluindo os movimentos curdos. Em resposta ao que consideravam ser uma opressão sistemática e a negação dos seus direitos culturais e linguísticos, o PKK optou pela luta armada como forma de exigir a autonomia curda. Nos seus primeiros anos, o PKK beneficiou de um certo apoio dos países alinhados com o bloco soviético. Este apoio assumiu a forma de formação, fornecimento de armas e apoio logístico, embora a extensão e a natureza exactas deste apoio sejam objeto de debate. Este apoio deveu-se em parte à dinâmica da Guerra Fria, em que o PKK era visto como um potencial aliado pelos inimigos da Turquia, membro da NATO. A reação do Governo turco à insurreição do PKK caracterizou-se por uma intensa repressão militar. Foram lançadas operações de segurança maciças nas regiões curdas, com graves consequências humanitárias, incluindo baixas civis e militares e a deslocação de populações curdas.
Ao longo do tempo, a filosofia e os objectivos do PKK evoluíram. Embora as suas raízes estivessem profundamente enraizadas na ideologia marxista-leninista, o movimento adaptou gradualmente as suas reivindicações, passando da exigência de um Estado curdo independente para apelos a uma maior autonomia e ao reconhecimento dos direitos culturais e linguísticos dos curdos. A luta armada do PKK colocou a questão curda no centro das atenções nacionais e internacionais, pondo em evidência a complexidade e os desafios da questão curda na Turquia. Também polarizou as opiniões, tanto na Turquia como na comunidade curda, sobre as estratégias e os objectivos adequados na procura da autonomia e dos direitos dos curdos. O conflito entre o PKK e o Estado turco continua a ser uma questão espinhosa, que simboliza a tensão entre as aspirações curdas de autonomia e os imperativos de segurança e unidade nacional da Turquia.
Contexto internacional e interesse soviético nas regiões curdas
Desde 1946, a União Soviética tem demonstrado um interesse crescente no Médio Oriente, em particular nas regiões com uma elevada concentração de curdos e azeris. Este envolvimento soviético insere-se no contexto mais vasto da Guerra Fria e na estratégia da URSS de alargar a sua influência em regiões estrategicamente importantes. Um dos exemplos mais significativos desta política foi o apoio soviético à República Autónoma Iraniana do Azerbaijão. Em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética, que tinha ocupado o norte do Irão durante a guerra, incentivou e apoiou a criação da República Autónoma do Azerbaijão, bem como da República do Curdistão, no Irão. Estas entidades autónomas foram criadas com o apoio dos comunistas locais e dos soviéticos e representaram um desafio direto à autoridade do governo central iraniano, então liderado por Reza Shah Pahlavi. A criação destas repúblicas autónomas foi vista pela URSS como uma oportunidade para alargar a sua influência na região e contrariar a presença britânica e americana.
No entanto, o conflito iraniano-soviético que se seguiu levou à pressão internacional para que a União Soviética retirasse as suas tropas do Irão. Em 1946, sob pressão da comunidade internacional e dos Estados Unidos em particular, a URSS retirou o seu apoio às repúblicas autónomas, que foram rapidamente tomadas pelas forças iranianas. Este período foi significativo para as relações internacionais na região, mostrando como a dinâmica da Guerra Fria influenciou as políticas regionais. O apoio soviético aos movimentos autonomistas no Irão não só reflectia os interesses geopolíticos da URSS, como também realçava as aspirações das minorias étnicas da região, incluindo os curdos e os azeris, a uma maior autonomia e reconhecimento.
Tensões religiosas e políticas entre os curdos no Irão
Desde o início da década de 2000, a situação dos curdos no Irão tem-se caracterizado por uma tensão crescente devido a diferenças religiosas e políticas. O Irão, um Estado predominantemente xiita, tem visto as suas relações com a sua população curda, predominantemente sunita, serem afectadas por factores religiosos, culturais e políticos. A diferença sectária entre a maioria xiita do Irão e a minoria curda sunita é um aspeto fundamental desta tensão. Embora o Irão tenha consolidado a sua identidade xiita desde a revolução islâmica de 1979, os curdos iranianos têm-se sentido frequentemente marginalizados devido à sua filiação religiosa sunita. Esta situação é agravada por questões de direitos culturais e linguísticos, com os curdos a exigirem um maior reconhecimento da sua identidade étnica e cultural.
As tensões políticas entre os curdos iranianos e o governo central intensificaram-se devido à perceção da marginalização e da negligência económica. Os curdos no Irão há muito que lutam por uma maior autonomia regional e pelo reconhecimento dos seus direitos linguísticos e culturais, incluindo o direito à educação e aos meios de comunicação social na sua língua materna. A resposta do governo iraniano a estas exigências tem sido frequentemente a repressão. Os movimentos políticos curdos no Irão têm sido acompanhados de perto e, por vezes, reprimidos. Em várias ocasiões, registaram-se confrontos armados entre as forças de segurança iranianas e grupos curdos armados, estes últimos procurando defender os direitos e a autonomia dos curdos.
A situação dos curdos no Irão é também influenciada pela dinâmica regional. Os desenvolvimentos relativos aos curdos no Iraque, nomeadamente a criação de uma região autónoma do Curdistão iraquiano, tiveram um impacto nas aspirações dos curdos no Irão. Ao mesmo tempo, a política externa do Irão, em particular o seu envolvimento em conflitos regionais como a Síria e o Iraque, está a ter um impacto na sua política interna em relação à sua própria população curda. Em conclusão, as tensões entre os curdos e o governo iraniano desde a década de 2000 são o resultado de uma mistura complexa de factores religiosos, culturais e políticos. Estas tensões reflectem os desafios da governação numa sociedade multiétnica e multiconfessional e sublinham as dificuldades persistentes das minorias da região em obter maior reconhecimento e autonomia.
Curdistão iraquiano
As origens do Curdistão iraquiano e o Vilayet de Mossul
A história do Curdistão iraquiano e da sua relação com o vilayet de Mossul durante o Mandato Britânico é crucial para compreender a dinâmica política e étnica da região. Após a Primeira Guerra Mundial e a dissolução do Império Otomano, a província otomana de Mosul vilayet tornou-se uma questão central na redefinição das fronteiras do Médio Oriente.
O vilayet de Mossul era rico em diversidade étnica e incluía uma população curda significativa, bem como outros grupos como os árabes, os assírios e os turcomanos. Aquando do estabelecimento do mandato britânico sobre a Mesopotâmia, que viria a tornar-se o Iraque, o futuro desta província foi amplamente debatido. Os britânicos, desejosos de controlar os recursos petrolíferos da região, defenderam a sua inclusão no Iraque, apesar das reivindicações territoriais da Turquia. Em 1925, após um longo processo de negociação e deliberação, a Liga das Nações decidiu anexar o vilayet de Mossul ao Iraque. Esta decisão foi crucial para definir as fronteiras do norte do Iraque e teve um impacto significativo na população curda da região. A decisão da Liga colocou um grande número de curdos sob administração iraquiana, alterando a paisagem política e étnica do novo Estado.
A luta pela autonomia curda no século XX
A integração do vilayet de Mossul no Iraque influenciou o movimento curdo no país. Os curdos, que procuravam preservar a sua identidade cultural e linguística e obter uma maior autonomia política, enfrentaram vários desafios durante os sucessivos governos de Bagdade. A luta pela autonomia curda intensificou-se ao longo do século XX, culminando na criação de uma região autónoma do Curdistão na década de 1990, após décadas de conflitos e negociações. O desenvolvimento do Curdistão iraquiano como região autónoma foi reforçado após a invasão do Iraque em 2003, estabelecendo a região como um ator fundamental na política iraquiana. A história do vilayet de Mossul e a sua integração no Iraque moderno são, por conseguinte, essenciais para compreender a dinâmica atual do Curdistão iraquiano, salientando as complexidades históricas e políticas da formação do Estado-nação na região e os desafios persistentes da diversidade étnica e cultural.
A decisão da Liga das Nações, em 1925, de anexar o vilayet de Mossul ao mandato britânico do Iraque foi um passo crucial na formação do Estado iraquiano moderno e teve profundas implicações para o movimento nacionalista curdo na região. A decisão incorporou no Iraque um território com uma população curda considerável, lançando as bases da atual luta curda pelo reconhecimento e pela autonomia. O movimento nacionalista curdo no Iraque tem-se caracterizado por uma notável resiliência e continuidade, apesar dos desafios e obstáculos políticos. A luta dos curdos no Iraque pela autonomia e pelo reconhecimento dos seus direitos tem sido marcada por rebeliões, negociações e, por vezes, repressão violenta. Esta perseverança reflecte a natureza específica do nacionalismo curdo no Iraque, onde as aspirações de autonomia regional e a preservação da identidade cultural curda têm sido temas constantes.
As tentativas de negociação e de celebração de acordos entre os dirigentes curdos e o Governo iraquiano têm sido frequentemente infrutíferas, marcadas por promessas não cumpridas e acordos violados. Um dos factores que contribuiu para estes fracassos foi a falta de apoio internacional consistente à causa curda. Em particular, a retirada do apoio do Irão ao nacionalismo curdo foi um revés significativo. O Irão, que tem a sua própria população curda e está preocupado com a autonomia curda no interior das suas fronteiras, tem frequentemente vacilado no seu apoio aos curdos no Iraque, em função dos seus próprios interesses geopolíticos e de segurança. A situação dos curdos no Iraque continuou a evoluir ao longo do século XX, com períodos de forte repressão sob regimes como o de Saddam Hussein, mas também com avanços significativos, como a criação de uma região autónoma do Curdistão na década de 1990. Estes desenvolvimentos foram influenciados por uma variedade de factores regionais e internacionais, reflectindo a complexidade da questão curda na região.
O surgimento da autonomia curda nos anos 90
O ano de 1991 foi um momento decisivo para o movimento curdo no Iraque, particularmente após a Guerra do Golfo e o enfraquecimento do regime de Saddam Hussein. O fim desta guerra criou uma oportunidade sem precedentes para os curdos iraquianos estabelecerem uma forma de autonomia de facto nas suas regiões.
Após a derrota do Iraque na Guerra do Golfo, eclodiu uma revolta popular no norte do país, principalmente entre os curdos. Esta revolta foi brutalmente reprimida pelo regime de Saddam Hussein, dando origem a uma grave crise humanitária e a deslocações maciças da população. Em resposta, os Estados Unidos, o Reino Unido e a França criaram uma zona de exclusão aérea a norte do paralelo 36, permitindo que os curdos ganhassem um grau significativo de autonomia. Esta autonomia de facto permitiu que os curdos desenvolvessem as suas próprias instituições políticas e administrativas, o que constituiu um importante passo em frente para o nacionalismo curdo no Iraque. Foi criado o Governo Regional do Curdistão (KRG), com as suas próprias estruturas administrativas, legislativas e de segurança. Embora esta autonomia não tenha sido oficialmente reconhecida pelo governo iraquiano na altura, representou um ponto de viragem na história curda no Iraque.
O Curdistão iraquiano no novo contexto político pós-2003
A situação alterou-se significativamente após a queda do regime de Saddam Hussein em 2003. A nova constituição iraquiana, adoptada em 2005, reconheceu oficialmente o Curdistão iraquiano como uma entidade federal no Iraque. Este reconhecimento constitucional legalizou a autonomia curda e constituiu um passo importante para a concretização das aspirações políticas curdas. A inclusão da autonomia curda na Constituição iraquiana simbolizou igualmente uma evolução importante na política iraquiana, marcando uma rutura com as políticas centralizadas e repressivas dos regimes anteriores. Reflectiu igualmente as mudanças na dinâmica política do Médio Oriente pós-Saddam, onde as questões de identidade étnica e regional se tornaram cada vez mais importantes.
A retirada das tropas norte-americanas do Iraque em 2009 e os acontecimentos subsequentes tiveram um impacto significativo na situação dos curdos no Iraque, exacerbando as tensões entre o Governo Regional do Curdistão (KRG) e o governo central de Bagdade. Após a retirada dos EUA, as relações entre Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, e Bagdade deterioraram-se. Os curdos manifestaram frequentemente a sua preocupação com a crescente marginalização por parte do governo central iraquiano. Estas tensões centraram-se numa série de questões, nomeadamente a partilha das receitas do petróleo, o estatuto das zonas disputadas (como Kirkuk, rica em petróleo) e a autonomia política e administrativa do Curdistão iraquiano.
O referendo sobre a independência do Curdistão iraquiano, realizado em setembro de 2017, marcou o ponto alto destas tensões. O referendo, que contou com uma esmagadora maioria de votos a favor da independência, foi organizado pelo KRG apesar da forte oposição de Bagdade e dos avisos internacionais. O Governo iraquiano, bem como vários países vizinhos e a comunidade internacional, consideraram o referendo ilegal e uma ameaça à integridade territorial do Iraque. Em resposta ao referendo, o governo central iraquiano tomou medidas severas, incluindo a tomada militar de algumas zonas em disputa, como Kirkuk, e a imposição de restrições económicas e de transportes ao Curdistão iraquiano. Estas acções sublinharam a fragilidade da autonomia curda no Iraque e evidenciaram os desafios políticos e de segurança que a região enfrenta. O referendo e as suas consequências revelaram igualmente as divisões internas do movimento curdo iraquiano, bem como as complexidades da política regional. Embora alguns líderes curdos tenham encarado o referendo como um passo em direção à tão esperada independência, outros manifestaram a sua preocupação quanto ao calendário e às potenciais implicações.
Curdistão sírio
A criação do "Cinturão Árabe" e as suas repercussões
Nos anos 60, a situação dos curdos na Síria foi profundamente afetada pelas políticas do governo nacionalista sírio. Durante este período, a Síria, sob a influência do partido Ba'ath, adoptou uma abordagem nacionalista árabe que exacerbou as divisões étnicas, particularmente entre a comunidade curda. Uma das políticas mais notáveis e controversas deste período foi a criação do "Cinturão Árabe". Esta iniciativa tinha como objetivo alterar a composição demográfica das regiões com uma elevada concentração de curdos ao longo da fronteira com a Turquia. O Governo encorajou os árabes a instalarem-se nestas zonas, muitas vezes deslocando à força as populações curdas. Esta política foi em parte justificada por projectos de desenvolvimento, como a construção de uma linha de caminho de ferro, mas foi claramente motivada por razões políticas, a fim de diluir a presença curda.
Estas acções conduziram a deslocações forçadas e a uma maior marginalização económica e social dos curdos na Síria. O "Cinturão Árabe" não só causou perturbações demográficas, como também alimentou um sentimento de injustiça e exclusão entre os curdos sírios. Estas políticas aumentaram as tensões étnicas na região e contribuíram para um sentimento crescente de desconfiança em relação ao governo central. As consequências destas políticas têm sido duradouras. Os curdos da Síria continuaram a lutar pelo reconhecimento dos seus direitos culturais e políticos, bem como pela sua autonomia. Estas tensões foram exacerbadas durante a guerra civil síria que eclodiu em 2011, na qual os curdos desempenharam um papel significativo, procurando estabelecer alguma forma de autonomia no nordeste da Síria.
Os curdos na Síria e a luta pela autonomia
Na década de 2000, e em particular com o início da guerra civil síria em 2011, os curdos na Síria começaram a manifestar-se mais visivelmente pela autonomia. Este período marcou um ponto de viragem na luta dos curdos sírios pelo reconhecimento e pela autodeterminação.
Antes da guerra civil, os curdos na Síria eram frequentemente marginalizados e privados de direitos básicos. O regime de Bashar al-Assad, tal como o do seu pai Hafez al-Assad, manteve uma política de repressão da cultura curda e das aspirações políticas curdas. No entanto, com a eclosão da guerra civil, o poder central em Damasco enfraqueceu, dando aos curdos uma oportunidade sem precedentes de reivindicar autonomia. Tirando partido do vazio de poder criado pelo conflito, os grupos curdos, principalmente as Unidades de Proteção Popular (YPG) e o Partido da União Democrática (PYD), assumiram o controlo de vastas áreas do Norte da Síria. Estes grupos estabeleceram uma forma de governação autónoma nestas áreas, incluindo aspectos como a administração civil, a defesa e a educação.
Esta autonomia de facto foi reforçada pelo papel crucial desempenhado pelas forças curdas na luta contra o Estado Islâmico (EI), atraindo o apoio e o reconhecimento da comunidade internacional, nomeadamente dos Estados Unidos. Os curdos conseguiram estabelecer áreas de autonomia relativamente estáveis, conhecidas como Administração Autónoma do Norte e do Leste da Síria, apesar dos desafios constantes, incluindo as tensões com o governo sírio e as ameaças da vizinha Turquia. No entanto, a situação continua a ser precária. O reconhecimento oficial da autonomia curda na Síria pelo governo de Damasco continua incerto e as tensões regionais continuam a ameaçar a estabilidade das regiões curdas. A procura de autonomia por parte dos curdos sírios é, portanto, um processo contínuo, profundamente ligado aos complexos desenvolvimentos políticos e de segurança na Síria e na região em geral.
O questionamento dos Estados-nação no Médio Oriente
Desde a intervenção anglo-americana no Iraque em 2003, seguida da guerra civil iraquiana e da crise síria a partir de 2011, o conceito de Estados-nação estáveis no Médio Oriente tem sido profundamente posto em causa. A invasão do Iraque, com o objetivo de derrubar Saddam Hussein, desencadeou uma série de consequências imprevistas, lançando o país numa espiral de violência sectária e instabilidade política. A situação complicou-se ainda mais com o aparecimento do Estado Islâmico, que explorou o caos no Iraque e na Síria para estabelecer um califado transfronteiriço, pondo em causa a legitimidade das fronteiras e dos governos nacionais.
A guerra civil síria, que começou com a revolta popular contra o regime de Bashar al-Assad em 2011, agravou ainda mais a instabilidade regional. O conflito atraiu uma multiplicidade de actores regionais e internacionais, cada um com os seus próprios objectivos estratégicos. As repercussões destes conflitos ultrapassaram as fronteiras nacionais, exacerbando as tensões sectárias e étnicas e desencadeando fluxos de refugiados em grande escala. Estes acontecimentos expuseram as falhas dos Estados-nação do Médio Oriente, cujas fronteiras foram traçadas pelas potências coloniais após a Primeira Guerra Mundial. Estas fronteiras, frequentemente estabelecidas sem ter em conta as realidades étnicas, culturais e religiosas no terreno, deram origem a tensões e conflitos persistentes.
Apesar destes desafios, as fronteiras estabelecidas no Médio Oriente têm demonstrado uma resistência notável. Continuam a ser elementos-chave da ordem política regional, apesar de serem palco de conflitos incessantes. Os Estados da região, embora enfraquecidos, continuam a lutar para manter a sua soberania e integridade territorial face aos movimentos secessionistas e à interferência estrangeira. O futuro dos Estados-nação no Médio Oriente continua incerto. Os conflitos no Iraque e na Síria revelaram profundas divisões e levantaram questões fundamentais sobre a legitimidade e a viabilidade das actuais estruturas estatais. Neste contexto, poderão surgir novas configurações políticas e territoriais, redefinindo a paisagem política do Médio Oriente nos próximos anos.
Perspectivas controversas sobre as fronteiras do Médio Oriente e a guerra civil síria
Ralph Peters, antigo oficial do exército americano e comentador de questões geopolíticas, tem apresentado uma perspetiva controversa sobre as fronteiras do Médio Oriente. Nos seus escritos, argumenta que as actuais fronteiras da região, em grande parte herdadas da era colonial e do pós-Primeira Guerra Mundial, não reflectem a realidade política, cultural e religiosa no terreno. Peters argumenta que estas fronteiras artificiais contribuíram para muitos conflitos ao não reflectirem as identidades nacionais, étnicas e religiosas das sociedades locais. A sua visão, por vezes ilustrada por mapas redesenhados do Médio Oriente, propõe uma reconfiguração das fronteiras para melhor refletir estas realidades. Por exemplo, sugere a criação de um Estado curdo independente que englobe partes do Iraque, da Síria, do Irão e da Turquia, onde vivem grandes populações curdas. Prevê também ajustamentos territoriais para outros grupos étnicos e religiosos, com o objetivo de criar Estados mais homogéneos.
Esta proposta provocou um debate aceso e críticas generalizadas, incluindo no seio da NATO e noutros círculos internacionais. Os críticos salientam que a redefinição de fronteiras segundo linhas étnicas e religiosas é extremamente complexa e arriscada. Apontam para o perigo de agravar as tensões existentes e de criar novos conflitos. Além disso, a redefinição das fronteiras nacionais levanta questões sobre a soberania, a auto-determinação e a intervenção internacional. As ideias de Peters reflectem um desafio mais vasto que o Médio Oriente enfrenta: como gerir a diversidade étnica e religiosa em Estados-nação formados segundo linhas traçadas por potências estrangeiras. Embora as suas propostas possam parecer lógicas de uma perspetiva geopolítica simplificada, não têm em conta a complexidade das identidades nacionais, as relações históricas entre grupos e as realidades políticas no terreno.
A guerra civil síria, que eclodiu em 2011, provocou mudanças fundamentais na estrutura e na composição da nação síria, pondo em causa a viabilidade do modelo de Estado-nação no contexto do Médio Oriente. Embora o regime de Bashar Al-Assad pareça estar a ganhar terreno, a realidade no terreno alterou profundamente a própria natureza da nação síria. O conflito na Síria expôs as falhas profundas de um Estado construído sobre bases heterogéneas, onde as várias comunidades étnicas e religiosas, incluindo curdos, alauítas, sunitas, cristãos e outros, foram precariamente integradas. A guerra exacerbou estas divisões, destruindo o tecido social e provocando uma grave crise humanitária. Cidades históricas como Alepo e Homs foram devastadas, enquanto milhões de sírios foram deslocados dentro do país ou fugiram para o estrangeiro, formando grandes comunidades da diáspora.
A Síria do pós-guerra enfrentará enormes desafios na reconstrução não só das suas infra-estruturas, mas também da sua sociedade. A governação centralizada e frequentemente autoritária de Assad terá de se adaptar a uma realidade em que diferentes comunidades aspiram a um maior reconhecimento e representação. Estas comunidades, embora geograficamente delimitadas pelas fronteiras nacionais da Síria, estão intrinsecamente ligadas por laços confessionais, culturais e históricos que transcendem estas fronteiras. O conceito de diáspora tornou-se particularmente relevante para a Síria. Os sírios no estrangeiro mantêm laços estreitos com a sua terra natal, desempenhando um papel fundamental na preservação da identidade cultural e na potencial reconstrução do país. A diáspora síria representa uma diversidade de opiniões e experiências, reflectindo a complexidade da sociedade síria no seu conjunto.
Le Golfe persique
Le Golfe Persique : Histoire, Importance et Débats sur la Terminologie
La région connue sous le nom de "Golfe Persique" est souvent au centre de débats concernant son appellation. En effet, certains États, notamment ceux du monde arabe, préfèrent utiliser l'appellation "Golfe arabe". Ce débat sur la terminologie reflète les tensions et les dynamiques politiques dans la région, où l'histoire, la culture et l'identité nationale jouent un rôle clé dans la manière dont les lieux sont nommés. Le Golfe, qu'il soit appelé "Golfe Persique" ou "Golfe arabe", est une région de grande importance stratégique, économique et culturelle. Il est bordé par plusieurs pays clés, dont le Koweït, le Qatar, le Bahreïn, les Émirats arabes unis et Oman, ainsi que par l'Iran et l'Arabie Saoudite. Cette région est connue pour ses vastes réserves de pétrole et de gaz naturel, ce qui en fait une des zones les plus riches et les plus stratégiquement importantes du monde.
Au cours des dernières décennies, le Golfe est devenu synonyme de prospérité et de luxe, en particulier dans les États du Conseil de coopération du Golfe (CCG), qui comprend le Koweït, le Qatar, le Bahreïn, les Émirats arabes unis, l'Oman et l'Arabie Saoudite. Ces pays ont utilisé leurs richesses pétrolières pour développer des économies modernes et diversifiées, investissant massivement dans l'urbanisme, le tourisme, l'éducation et les infrastructures. Les villes comme Dubaï aux Émirats arabes unis et Doha au Qatar sont devenues des symboles de cette prospérité, attirant des investissements internationaux et des touristes du monde entier. Ces États ont également cherché à jouer un rôle plus important sur la scène internationale, que ce soit par la diplomatie, les investissements économiques ou l'organisation d'événements d'envergure mondiale.
Prospérité et Transformation dans les États du Golfe Persique
L'histoire politique et économique du Golfe Persique est étroitement liée à l'influence britannique dans la région, qui a commencé à se manifester de manière significative au 19e siècle. À cette époque, l'empire britannique, cherchant à sécuriser les routes maritimes vers l'Inde, son joyau colonial, a commencé à établir une présence dans le Golfe Persique. Cette influence s'est traduite par des accords de protectorat avec les émirats locaux, offrant à la Grande-Bretagne un contrôle significatif sur les affaires politiques et économiques de la région. L'intérêt britannique pour le Golfe s'est accentué avec la découverte de pétrole au début du 20e siècle. Les Britanniques ont joué un rôle crucial dans le développement de l'industrie pétrolière, notamment en établissant des compagnies comme l'Anglo-Persian Oil Company (qui deviendra plus tard British Petroleum, ou BP). Cette période a vu une transformation de la région, passant d'une importance stratégique principalement maritime à un centre de l'économie pétrolière mondiale.
Le retrait britannique de la région dans les années 1960 et 1970 a marqué une nouvelle ère pour les États du Golfe. Cette période de décolonisation a coïncidé avec une hausse significative de la demande mondiale de pétrole, propulsant ces États nouvellement indépendants vers une prospérité économique sans précédent. L'indépendance a également donné lieu à la formation de structures politiques propres à chaque État, souvent sous la forme de monarchies, qui continuent de caractériser la gouvernance dans la région. Cependant, l'héritage britannique dans le Golfe Persique a laissé des traces durables. Les frontières tracées pendant la période coloniale, ainsi que les alliances politiques et économiques établies, ont continué à influencer les relations internationales et la politique intérieure des États du Golfe. Les relations étroites entre ces États et les puissances occidentales, notamment les États-Unis après le retrait britannique, ont joué un rôle crucial dans la politique de sécurité et économique de la région.
Le Golfe Persique, au cours de son histoire, a été étroitement lié à la Mésopotamie, en partie grâce à son riche commerce de perles, une activité économique prédominante bien avant l'avènement de l'ère pétrolière. Des centres importants de ce commerce étaient établis au Bahreïn et à Oman, où la pêche aux perles constituait une source de revenus essentielle pour les populations locales. Dès l'Antiquité, les eaux du Golfe Persique étaient renommées pour leurs riches gisements de perles. La région de Bahreïn, en particulier, était connue comme un centre majeur de la perliculture, attirant commerçants et marchands de diverses parties du monde antique. À Oman, la longue façade maritime favorisait également le développement d'un commerce maritime actif, y compris le commerce des perles. Ces activités étaient cruciales pour les économies locales, surtout dans des régions autrement limitées en ressources naturelles.
L'essor économique et culturel sous les Abbassides, à partir du 8e siècle, a contribué à l'expansion du commerce dans le Golfe Persique. Cette période a vu un développement florissant des échanges commerciaux, avec les ports du Golfe servant de hubs importants pour le commerce régional et international. Le commerce des perles, ainsi que d'autres marchandises, a prospéré sous l'administration abbasside, qui a intégré efficacement la région dans un empire étendu. Cependant, le déclin du califat abbasside au 13e siècle a marqué le début d'une période plus difficile pour la région. Les invasions, les troubles politiques et la fragmentation de l'empire ont perturbé le commerce et affaibli l'économie régionale. Malgré ces défis, le commerce des perles a continué à jouer un rôle économique significatif jusqu'au 20e siècle.
À partir du 15ème siècle, une nouvelle ère commence pour le Golfe Persique avec l'arrivée des puissances européennes, motivées par le commerce des épices et la maîtrise des routes maritimes. Les Portugais, menés par des navigateurs tels que Vasco de Gama, ont été les premiers à établir une présence dans la région au début du 16ème siècle, cherchant à contrôler les voies commerciales vers l'Inde et à accéder directement aux sources lucratives d'épices. Le commerce maritime est devenu le principal moyen d'influence européenne dans le Golfe. Les Portugais ont établi plusieurs bases, comme celle d'Ormuz, qui leur permettaient de contrôler les routes commerciales et d'influencer les politiques locales. Cette présence a ouvert la voie à d'autres puissances européennes, notamment les Britanniques et les Hollandais, qui ont également cherché à établir leur influence dans la région.
L'impact de l'arrivée européenne dans le Golfe a été profond. Elle a non seulement modifié les structures de pouvoir existantes, mais a également introduit de nouvelles technologies maritimes et militaires. Les États locaux ont dû naviguer dans ce nouvel environnement géopolitique, souvent en formant des alliances avec ou contre ces puissances étrangères. L'implication européenne a considérablement changé la dynamique régionale du Golfe. La rivalité entre les puissances européennes pour le contrôle des routes commerciales et des points stratégiques a eu des répercussions importantes sur l'histoire de la région. Par exemple, la compétition entre les Portugais et les Britanniques a finalement conduit à une domination britannique plus établie dans le Golfe au 19ème siècle. Cette période marque ainsi un tournant dans l'histoire du Golfe Persique, où la région est passée d'un centre commercial et culturel relativement autonome à un théâtre de rivalités internationales et de domination étrangère. Ces événements ont posé les bases des relations futures entre le Golfe et l'Occident, et ont influencé le développement politique, économique et social de la région jusqu'à l'époque moderne.
Influence Britannique dans le Golfe Persique
L'implication britannique dans le Golfe Persique a connu une évolution significative à partir du 18ème siècle, marquée par un renforcement des échanges commerciaux et l'émergence de défis sécuritaires. La présence britannique dans la région était principalement motivée par la protection des routes commerciales maritimes vers l'Inde, un joyau de l'empire colonial britannique. Le commerce avec l'Inde a été intensifié sous l'influence britannique, transformant le Golfe en un carrefour commercial vital. Cependant, cette période a également été marquée par des défis en termes de sécurité. La région était perturbée par la piraterie et les conflits entre divers chefs locaux, ce qui menaçait la libre circulation des marchandises et la sécurité des routes maritimes. Les Britanniques se sont donc retrouvés confrontés à la nécessité de stabiliser la région pour maintenir et sécuriser leurs intérêts commerciaux.
Avec l'expansion française dans la région, notamment à la suite de la campagne d'Égypte de Napoléon Bonaparte à la fin du 18ème siècle, les Britanniques ont ressenti une menace accrue à leurs intérêts. En réponse, ils ont établi des pactes avec les acteurs locaux, comme le traité conclu avec Oman, visant à contenir l'expansionnisme français. Ces accords étaient essentiels pour établir des relations amicales et garantir une certaine stabilité dans la région. En plus des menaces extérieures, les Britanniques ont dû traiter avec les activités de piraterie dans le Golfe. Ils ont adopté une approche de négociation avec les pirates, cherchant à mettre fin à leurs raids sur le commerce maritime. Ces accords ont joué un rôle clé dans la sécurisation des voies maritimes et ont permis un commerce plus fluide dans la région.
Au 19ème siècle, ces traités conclus par la Grande-Bretagne ont déterminé sa politique économique et stratégique dans le Golfe. Ils ont non seulement permis de sécuriser la région, mais ont également posé les bases des relations futures entre la Grande-Bretagne et les États du Golfe. Bien que la région ait été marquée par l'instabilité, l'engagement croissant des chefs locaux à ne plus se livrer à la guerre a contribué à une stabilisation relative, permettant aux Britanniques de maintenir une influence considérable. Ces développements historiques ont été cruciaux pour façonner la politique et l'économie du Golfe Persique, préfigurant les dynamiques modernes de la région. La période de l'influence britannique a jeté les bases des structures politiques et des alliances qui caractérisent encore aujourd'hui les États du Golfe.
Le Golfe Persique Durant la Première Guerre Mondiale
Lorsque la Première Guerre mondiale a éclaté, elle a créé une nouvelle dynamique géopolitique dans le Golfe Persique, une région déjà marquée par l'influence croissante des puissances européennes. Le Koweït, situé stratégiquement à l'entrée du Golfe, a joué un rôle crucial dans cette nouvelle configuration. Dirigé à l'époque par le cheikh Mubarak Al-Sabah, le Koweït a cherché à renforcer sa position en s'alignant de plus près avec la Grande-Bretagne. Déjà sous un accord de protectorat signé en 1899, où le cheikh Mubarak Al-Sabah s'était engagé à ne pas céder, louer ou vendre de territoire sans l'accord britannique en échange de la protection britannique, le Koweït a vu dans la guerre une opportunité de consolider cette relation. La montée de l'Empire ottoman comme menace pendant la guerre a accentué le besoin de sécurité et de soutien pour le Koweït. En réponse à ces circonstances, le Koweït et la Grande-Bretagne ont renforcé leur accord de protectorat. Cet accord renouvelé assurait une protection plus ferme du Koweït contre les ambitions ottomanes et renforçait les liens politiques et économiques avec la Grande-Bretagne. Pour la Grande-Bretagne, sécuriser le Koweït était essentiel pour protéger ses routes maritimes vers l'Inde et pour maintenir son influence dans la région du Golfe, riche en pétrole.
La Première Guerre mondiale a ainsi eu un impact significatif sur le Golfe Persique, redéfinissant les relations entre les États locaux et les puissances européennes. Les accords conclus pendant cette période entre des États comme le Koweït et la Grande-Bretagne ont façonné l'avenir géopolitique de la région, jetant les bases de la structure politique et économique qui prévaudrait pendant des décennies. Cette période historique a également souligné l'importance stratégique du Golfe Persique, non seulement pour les puissances régionales, mais aussi pour les acteurs mondiaux. Les décisions prises et les alliances formées pendant la Première Guerre mondiale ont eu des répercussions durables, influençant les politiques, les économies et les sociétés de cette région clé.
Retrait Britannique et Emergence des États Modernes du Golfe
L'époque des années 1960 a été une période charnière pour le Golfe Persique, caractérisée par un changement fondamental dans les relations internationales de la région. Ce changement a été principalement induit par la décision du Royaume-Uni de se retirer de ses positions stratégiques à l'est de Suez, y compris du Golfe Persique. Cette décision, annoncée en 1968, est intervenue dans un contexte où la Grande-Bretagne, affectée par des contraintes économiques et un changement de paradigme politique, réévaluait son rôle impérial à travers le monde. Le retrait britannique du Golfe, qui a été progressivement mis en œuvre, a coïncidé avec une période de réalignement géopolitique. L'indépendance de l'Inde et du Pakistan en 1947 avait déjà marqué le début de la fin de l'empire britannique, et la perte de ces colonies clés a influencé la décision de réduire la présence militaire britannique dans d'autres régions. Dans le Golfe, ce retrait a laissé un vide de pouvoir qui a eu des implications majeures pour les États de la région.
Les États du Golfe, qui avaient longtemps été sous l'influence ou la protection britannique, se sont retrouvés dans une position où ils devaient naviguer de manière autonome dans un environnement international complexe. Cette situation a accéléré le processus de formation d'États-nations modernes dans la région et a donné lieu à la création de nouvelles structures politiques et alliances, comme le Conseil de coopération du Golfe (CCG) fondé en 1981. Le retrait britannique a également ouvert la porte à d'autres influences internationales, en particulier celle des États-Unis. Dans le contexte de la Guerre froide et de la montée en importance stratégique du pétrole, les États-Unis ont renforcé leur présence dans le Golfe, établissant des relations étroites avec des pays comme l'Arabie saoudite, le Koweït et les Émirats arabes unis. Cette nouvelle configuration a redéfini l'équilibre des pouvoirs dans la région et a eu un impact significatif sur les politiques régionales et internationales.
Découverte de Pétrole et Deuxième Vague d'Indépendance
À la suite du retrait britannique du Golfe Persique dans les années 1960, les princes et dirigeants locaux, qui avaient auparavant établi des alliances avec le Royaume-Uni, se sont retrouvés face à des décisions cruciales concernant l'avenir de leurs territoires. Cette période a été caractérisée par un profond changement politique, marquant la formation des États-nations modernes dans la région du Golfe. Le retrait britannique a laissé un vide de pouvoir et a ouvert la voie à la souveraineté complète des États du Golfe. Des exemples notables incluent l'indépendance du Bahreïn et du Qatar en 1971, suivie peu après par la formation des Émirats arabes unis, une fédération de sept émirats. Ces événements ont été des étapes cruciales dans la définition des frontières politiques et des structures gouvernementales de ces nations.
Les dirigeants de ces nouveaux États ont dû naviguer dans un paysage complexe, équilibrant la nécessité de développer des institutions gouvernementales stables et de gérer les relations internationales, tout en exploitant les ressources naturelles abondantes, notamment le pétrole et le gaz. L'ère post-britannique a également été marquée par des efforts pour moderniser et développer ces pays, comme en témoigne le règne du sultan Qaboos bin Said à Oman, qui a initié une série de réformes pour transformer son pays. Cette période de transition a également vu une augmentation de l'influence des États-Unis dans la région. Les États du Golfe, riches en ressources pétrolières, sont devenus des alliés stratégiques importants pour les États-Unis, notamment dans le contexte de la Guerre froide et des intérêts énergétiques. Le retrait britannique a marqué une ère de transformation significative pour les États du Golfe. Les décisions prises par les dirigeants locaux pendant cette période ont non seulement façonné les structures politiques et économiques de leurs pays, mais ont également eu un impact profond sur les dynamiques régionales et internationales. L'histoire de cette période illustre comment les changements géopolitiques peuvent influencer la formation et le développement des États-nations, ainsi que la complexité des relations internationales dans une région riche en ressources.
La découverte de pétrole dans le Golfe Persique a radicalement transformé la région, attirant un regain d'intérêt significatif de la part des puissances occidentales. Cette richesse en hydrocarbures a coïncidé avec une période de transition politique majeure, menant à une deuxième vague d'indépendance pour plusieurs États de la région dans les années 1970. Le pétrole, découvert pour la première fois dans le Golfe au début du 20ème siècle, a commencé à jouer un rôle crucial dans l'économie mondiale, en particulier après la Seconde Guerre mondiale. Les pays du Golfe, dotés de certaines des plus grandes réserves de pétrole au monde, sont rapidement devenus des acteurs clés dans le marché énergétique global. Cette richesse a attiré l'attention des puissances occidentales, désireuses de sécuriser l'accès à ces ressources vitales.
Dans les années 1970, avec la fin de l'ère du protectorat britannique et le retrait britannique de la région, les États du Golfe ont entrepris un processus d'affirmation de leur souveraineté et d'indépendance politique. Cette période a vu l'émergence de nations indépendantes et souveraines telles que les Émirats arabes unis en 1971, qui ont uni les émirats de la Trêve sous une seule fédération. Le Bahreïn et le Qatar ont également obtenu leur indépendance durant cette période. L'essor économique dû au pétrole a permis à ces jeunes nations d'investir massivement dans le développement et la modernisation. Les revenus pétroliers ont transformé des sociétés autrefois principalement axées sur la pêche et le commerce des perles en États modernes avec des infrastructures avancées, des services sociaux et des économies diversifiées. Cependant, l'intérêt accru des Occidentaux pour la région n'était pas sans implications géopolitiques. Les relations entre les pays producteurs de pétrole du Golfe et les puissances occidentales, en particulier les États-Unis, sont devenues un aspect central de la politique internationale. Ces relations ont été marquées par des dynamiques complexes de coopération, de dépendance économique et de tensions politiques.
L’islam politique
Emergence et Fondements de l'Islam Politique
L'islam politique est une idéologie qui a pris de l'ampleur au cours du 20ème siècle, influençant de manière significative la politique et la société dans les pays à majorité musulmane. Cette idéologie vise à structurer la société et l'État selon les principes et les lois de l'islam, basés sur une interprétation spécifique des textes religieux comme le Coran et la Sunna. L'émergence de l'islam politique peut être vue comme une réponse aux défis posés par le colonialisme, la modernisation, et les transformations sociales. Des figures comme Hassan al-Banna, fondateur des Frères musulmans en Égypte en 1928, et Sayyid Qutb, un théoricien influent du même mouvement, ont été des pionniers dans la formulation et la promotion de l'idéologie de l'islam politique. Leurs enseignements et écrits ont jeté les bases pour une vision de la société où les principes islamiques sont intégrés à tous les aspects de la vie, y compris la gouvernance.
L'islam politique se manifeste sous différentes formes, allant des mouvements réformistes modérés aux groupes plus radicaux. Certains groupes, comme les Frères musulmans, ont cherché à atteindre leurs objectifs par des moyens politiques et sociaux, tandis que d'autres, comme Al-Qaïda ou l'État islamique, ont adopté des méthodes extrémistes et violentes. Un exemple marquant de l'impact de l'islam politique est la Révolution iranienne de 1979, menée par l'Ayatollah Khomeini. Cette révolution a conduit à l'établissement d'une république islamique en Iran, où les lois et la gouvernance sont basées sur des interprétations spécifiques de l'islam chiite.
L'islam politique a également joué un rôle significatif dans les événements des Printemps arabes de 2011, où plusieurs mouvements islamistes ont émergé comme des acteurs politiques clés dans des pays comme l'Égypte, la Tunisie et la Libye. Toutefois, l'islam politique est un sujet de controverse et de débat. Ses critiques soulignent les risques de restriction des libertés individuelles, notamment en matière de droits des femmes et des minorités. D'autre part, ses partisans le considèrent comme un moyen de préserver les valeurs culturelles et de résister à l'influence occidentale. L'ascension de l'islam politique dans le monde arabe peut être largement attribuée à l'échec du panarabisme, un mouvement politique qui prônait l'unité et la coopération entre les pays arabes tout en s'opposant à la domination occidentale. Cette idéologie, qui a connu son apogée dans les années 1950 et 1960 sous des leaders comme Gamal Abdel Nasser en Égypte, a commencé à décliner dans les années 1970, laissant un vide idéologique que l'islam politique a commencé à remplir.
L'année 1979 est souvent considérée comme un tournant dans l'histoire de l'islam politique, marquée par deux événements majeurs. D'abord, la Révolution iranienne a vu la chute du Shah d'Iran et l'émergence d'une république islamique sous l'Ayatollah Khomeini, un développement qui a eu un impact profond dans toute la région. Ensuite, la signature du traité de paix entre l'Égypte et Israël, connu sous le nom d'Accords de Camp David, a été perçue par de nombreux Arabes comme une trahison de la cause arabe et une capitulation face à Israël. La normalisation des relations entre l'Égypte et Israël a été un choc pour de nombreux Arabes, renforçant les sentiments d'antagonisme envers Israël, perçu comme un symbole de l'influence et de l'intervention occidentale dans la région. Cette perception a alimenté l'imaginaire de l'islam politique, où la lutte contre Israël et l'opposition à l'ingérence occidentale sont devenues des thèmes centraux.
Dans ce contexte, les mouvements islamistes ont gagné en popularité en se présentant comme des alternatives crédibles au panarabisme défaillant et en promettant de restaurer la dignité et l'autonomie des sociétés musulmanes à travers la mise en œuvre des principes islamiques. Ces mouvements ont varié dans leurs approches, certains prônant une réforme politique et sociale progressive, tandis que d'autres ont adopté des positions plus radicales. L'échec du panarabisme et les événements de 1979 ont créé un terrain propice à l'essor de l'islam politique, une idéologie qui a depuis lors joué un rôle majeur dans la politique du Moyen-Orient. La montée de cette idéologie a été une réponse aux désillusions politiques, aux défis socio-économiques et aux aspirations de nombreuses sociétés musulmanes, redéfinissant le paysage politique de la région.
L'Islam Politique Face à l'Échec du Panarabisme
Le fondamentalisme, un courant significatif au sein de l'islam politique, a pris racine dans le monde musulman dès le 8ème siècle, mais c'est avec l'apparition du wahhabisme au 18ème siècle que cette tendance a acquis une influence notable. Mohammed ibn Abd al-Wahhab, le fondateur du wahhabisme, a prôné un retour aux pratiques et croyances des premières générations de musulmans, une interprétation rigoureuse de l'islam qui est devenue la base idéologique de l'Arabie saoudite moderne. Le fondamentalisme en tant que tel se caractérise par une volonté de transcender l'histoire pour revenir aux sources premières de la religion. Cette approche se manifeste par une lecture littérale et intransigeante des textes sacrés, rejetant souvent les interprétations contemporaines ou contextuelles. Le fondamentalisme s'oppose fréquemment aux influences culturelles et politiques occidentales, perçues comme des menaces à l'authenticité et à la pureté de la foi islamique.
La période coloniale a eu un impact profond sur l'imaginaire politique du monde arabe. La domination et l'intervention européenne dans les affaires du Moyen-Orient ont été perçues comme une agression directe contre les sociétés musulmanes. Cette perception a alimenté un sentiment de résistance qui s'est souvent exprimé par un recours aux valeurs et principes islamiques. Le mouvement de libération nationale, qui a émergé en réaction à la pénétration occidentale, a été fortement imprégné de la tradition islamique. Les luttes pour l'indépendance, tout en cherchant à se libérer du joug colonial, ont également visé à réaffirmer l'identité islamique comme fondement de la souveraineté nationale. Dans ce contexte, le fondamentalisme islamique a évolué pour devenir une réponse non seulement aux défis internes des sociétés musulmanes, mais aussi à l'ingérence étrangère. Les mouvements islamistes qui en ont découlé ont varié dans leurs approches et objectifs, allant de la réforme sociale et politique à des formes plus radicales de résistance. Cette dynamique complexe entre tradition, modernité, et influences externes continue de façonner le paysage politique et social dans de nombreux pays à majorité musulmane.
Le mouvement des Frères Musulmans, fondé en Égypte en 1928 par Hassan Al-Banna, représente un jalon important dans l'histoire de l'islam politique au 20ème siècle. Cette organisation a émergé comme une réponse aux défis sociaux, politiques et culturels auxquels était confrontée la société égyptienne à cette époque. Hassan Al-Banna a créé les Frères Musulmans avec l'objectif initial d'islamiser la société égyptienne, en réaction à la modernisation rapide et à l'influence occidentale croissante dans le pays. La vision d'Al-Banna était de réformer la société en s'appuyant sur les principes islamiques, considérant le Coran comme la constitution ultime et infaillible pour la vie sociale et politique. L'une des particularités des Frères Musulmans était leur structure organisationnelle, qui comprenait une branche paramilitaire. Cette caractéristique reflétait non seulement la tradition militaire de la société égyptienne, mais était également une réponse à la présence britannique en Égypte. La capacité des Frères Musulmans à mobiliser à la fois politiquement et militairement a contribué à leur influence croissante.
Les Frères Musulmans ont rapidement gagné en popularité et en influence, devenant l'une des premières et des plus importantes organisations islamistes du 20ème siècle. Leur approche combinant activisme social, politique et parfois militant a servi de modèle pour d'autres mouvements islamistes à travers le monde musulman. Toutefois, le mouvement a également été sujet à controverse et à répression. Les gouvernements égyptiens successifs ont alterné entre tolérance, coopération et répression sévère à l'égard de l'organisation. Les Frères Musulmans ont été impliqués dans diverses luttes politiques en Égypte, notamment lors du renversement du président Mohamed Morsi en 2013, qui était issu de leurs rangs.
Depuis sa création en 1928 par Hassan al-Banna, le mouvement des Frères Musulmans a traversé des périodes fluctuantes, oscillant entre influence politique significative et répression sévère. Bien que l'organisation n'ait pas originellement adopté l'action armée comme tactique principale, elle s'est trouvée impliquée dans des conflits majeurs qui ont marqué l'histoire de la région. Lors de la guerre arabo-israélienne de 1948, un conflit crucial pour l'avenir de la Palestine, les Frères Musulmans ont participé aux combats. Cette implication reflétait leur engagement envers la cause palestinienne, considérée comme une lutte à la fois nationale et religieuse. Leur engagement dans cette guerre illustre la flexibilité de l'organisation quant à l'utilisation de la force armée pour des causes qu'elle jugeait justes et alignées sur ses objectifs islamiques. En 1952, les Frères Musulmans ont joué un rôle dans la révolution égyptienne qui a renversé la monarchie et mené à la fondation de la République égyptienne. Initialement, ils ont soutenu les officiers libres, espérant que le nouveau régime serait favorable à leurs aspirations islamiques. Cependant, les relations entre les Frères Musulmans et le leader révolutionnaire Gamal Abdel Nasser se sont rapidement détériorées, entraînant une période de répression intense contre l'organisation.
Le parcours des Frères Musulmans en Égypte est caractérisé par des hauts et des bas, illustrant la complexité de leur positionnement politique. Sous différents régimes, ils ont alterné entre une présence politique influente et des périodes où ils étaient réprimés et marginalisés. Cette dynamique témoigne des tensions persistantes entre les mouvements islamistes et les gouvernements laïcs ou séculiers dans la région. L'histoire des Frères Musulmans est donc celle d'une organisation influente mais souvent controversée, dont le rôle dans les événements clés comme la guerre de 1948 et la révolution de 1952 témoigne de son importance dans la politique du Moyen-Orient. Cependant, leur parcours a aussi été jalonné de confrontations et de conflits avec les pouvoirs en place, reflétant la nature complexe et parfois conflictuelle de l'islam politique.
Sayyid Qutb, né en 1906 et décédé en 1966, est une figure emblématique de l'islam politique. Sa pensée et son œuvre ont eu un impact considérable sur la vision de l'État islamique et sur le mouvement islamiste en général. Théoricien éminent, Qutb a élaboré une critique radicale des sociétés musulmanes de son époque, qu'il jugeait égarées de la vraie voie de l'Islam. Qutb a été un critique virulent de l'occidentalisation et du nationalisme panarabe, dominant en Égypte et dans d'autres pays arabes au milieu du 20ème siècle. Selon sa perspective, ces sociétés s'étaient éloignées des principes fondamentaux de l'Islam, tombant dans un état de « Jahiliya », un terme islamique traditionnellement utilisé pour décrire l'ignorance religieuse prévalant avant la révélation du Coran au prophète Mahomet. Pour Qutb, la Jahiliya moderne n'était pas seulement une ignorance religieuse, mais aussi un éloignement des lois et valeurs islamiques dans la gouvernance et la vie sociale.
Son expérience personnelle de la répression a également influencé sa pensée. Arrêté et torturé par le régime de Nasser en Égypte en raison de ses opinions dissidentes et de son appartenance aux Frères Musulmans, Qutb est devenu convaincu que les régimes en place dans le monde arabe étaient corrompus et illégitimes. Dans ses écrits, il a développé l'idée que la résistance, y compris le recours à la violence, était légitime contre ces gouvernements «jahili». Condamné à mort pour complot contre l'État égyptien, Qutb a refusé de faire appel de sa condamnation, choisissant de devenir un martyr pour sa cause. Sa mort en 1966 a renforcé son statut de figure emblématique dans l'islamisme radical, et ses écrits continuent d'influencer des mouvements islamistes dans le monde entier. Qutb a donc joué un rôle central dans le développement de l'islam politique, notamment en justifiant l'opposition violente à des régimes jugés non islamiques. Sa vision de l'Islam comme un système complet de vie, englobant à la fois la gouvernance et la société, a profondément marqué les mouvements islamistes contemporains et le débat sur la nature et l'avenir de l'État islamique.
La pensée de Sayyid Qutb, bien que marginale au début, a gagné en influence et en pertinence à la fin des années 1970, une période marquée par plusieurs événements cruciaux qui ont redéfini le paysage politique et idéologique du monde musulman. En 1979, plusieurs événements majeurs ont bouleversé le contexte idéologique du Moyen-Orient et au-delà. Tout d'abord, l'échec du panarabisme, symbolisé par la signature des accords de paix entre l'Égypte et Israël, a laissé un vide idéologique dans le monde arabe. La décision de l'Égypte, un acteur majeur du nationalisme arabe, de normaliser les relations avec Israël a été perçue comme une trahison par de nombreux Arabes et a affaibli la crédibilité du panarabisme comme mouvement unificateur. Dans le même temps, la Révolution iranienne de 1979 a vu l'émergence de la République islamique d'Iran, établissant un gouvernement basé sur des principes islamiques chiites. Cette révolution a eu un impact considérable dans toute la région, montrant la viabilité de l'islam politique comme alternative aux régimes séculiers ou pro-occidentaux. Par ailleurs, l'invasion soviétique de l'Afghanistan en 1979 a déclenché une guerre de dix ans, où les moudjahidines afghans, soutenus par divers pays, y compris les États-Unis, l'Arabie saoudite et le Pakistan, ont combattu contre les forces soviétiques. Cette guerre a attiré des combattants islamistes de tout le monde musulman, galvanisés par l'appel à défendre une terre musulmane contre une puissance étrangère non musulmane. Ces événements ont contribué à un renouveau et à une radicalisation de l'islam politique. Les idées de Qutb, en particulier sa critique de la Jahiliya moderne et sa légitimation de la lutte armée contre les régimes jugés non islamiques, ont trouvé un écho auprès de ceux qui étaient déçus par les échecs du panarabisme et inquiets de l'influence étrangère dans le monde musulman. En conséquence, l'islam politique, sous ses diverses formes, est devenu un acteur majeur dans la politique régionale et mondiale, influençant les dynamiques de pouvoir et les conflits dans les décennies suivantes.
La Notion de Martyr dans l'Islam Politique
La notion de martyr dans l'islam politique a gagné une signification et une importance accrues vers la fin du 20ème siècle, notamment dans les conflits opposant les forces islamistes à diverses puissances étrangères. Cette conceptualisation du martyr, au-delà de son sens religieux traditionnel, est devenue un élément clé de la mobilisation et de la rhétorique des mouvements islamistes. Dans le contexte des conflits comme la guerre soviéto-afghane de 1979-1989, la figure du martyr a acquis une dimension centrale. Les combattants moudjahidines, luttant contre l'occupation soviétique en Afghanistan, étaient souvent célébrés comme des martyrs, des héros qui sacrifiaient leur vie pour la défense de l'islam. Cette glorification du martyr a servi à motiver les combattants, attirer le soutien international et justifier la résistance armée contre une superpuissance perçue comme oppressante. La promotion de la mort en martyr dans ces contextes est devenue un puissant outil de recrutement pour les mouvements islamistes, attirant des combattants de diverses régions du monde musulman. La promesse du martyr, souvent interprétée comme une voie vers le paradis et l'honneur, a été un élément clé dans la mobilisation des individus prêts à participer à des luttes armées contre des ennemis jugés injustes ou anti-islamiques.
Cependant, la notion de martyr dans l'islam politique a suscité de vives controverses et critiques. Beaucoup considèrent que l'encouragement à la mort en martyr, en particulier dans le cadre d'actions violentes, constitue une distorsion des enseignements islamiques et une source de conflits. Cette conception du martyr a été remise en question tant au sein de la communauté musulmane que par les observateurs externes. La figure du martyr dans l'islam politique symbolise la manière dont des concepts religieux peuvent être réinterprétés et utilisés dans des cadres politiques et conflictuels. Elle reflète la complexité des mouvements islamistes et la façon dont ils intègrent des éléments religieux dans leur stratégie et leur idéologie. Cette approche a non seulement façonné les dynamiques des mouvements islamistes, mais a également eu des implications profondes sur le plan international, influençant les politiques et les perceptions de l'islam politique dans le monde.
Changements Politiques et Géopolitiques
Dans le paysage politique complexe et parfois instable du monde musulman, certains États ont réagi à la montée de l'islam politique en intégrant des politiques islamistes, visant à renforcer leur autorité et à stabiliser leur gouvernement. Cette stratégie a été adoptée dans divers contextes, en réponse aux défis internes et externes auxquels ces pays étaient confrontés. L'adoption de politiques islamistes par certains régimes a souvent été motivée par le désir de légitimer leur pouvoir auprès de populations majoritairement musulmanes. En s'alignant sur les valeurs et les principes islamiques, ces gouvernements cherchaient à se présenter comme des protecteurs et des défenseurs de l'islam, gagnant ainsi le soutien populaire et contrant les mouvements d'opposition qui pourraient menacer leur stabilité.
Cette approche a été particulièrement visible dans des contextes où les gouvernements cherchaient à contrer l'influence de groupes islamistes radicaux ou à répondre à des crises politiques et sociales. Par exemple, l'Iran, suite à la Révolution islamique de 1979, a mis en place un système de gouvernance islamique, avec l'Ayatollah Khomeini comme figure emblématique, établissant une république islamique basée sur des principes chiites. Dans des pays comme l'Arabie saoudite, le Pakistan et certains États du Golfe, des éléments islamistes ont été incorporés dans la législation et les politiques publiques, reflétant et renforçant les valeurs religieuses dominantes. Toutefois, cette stratégie n'est pas sans risques ni critiques. L'utilisation de l'islam politique comme outil de gouvernance peut conduire à des tensions et à des contradictions internes, surtout lorsque les aspirations de la population diffèrent des politiques gouvernementales. De plus, le recours à l'islamisme pour consolider le pouvoir peut entraîner des restrictions des libertés civiles et des droits de l'homme, suscitant des préoccupations tant au niveau national qu'international.
Transformation de l'Islam Politique dans les Années 1990
Au cours des années 1990, certains spécialistes et observateurs ont conclu à l'échec de l'islam politique, en partie parce que les mouvements islamistes n'avaient pas réussi à s'emparer du pouvoir dans de nombreux pays. Cependant, cette analyse s'est avérée prématurée face à l'évolution ultérieure des événements et à la résurgence de l'islamisme sous différentes formes. Après la fin de la guerre en Afghanistan et le retrait des forces soviétiques en 1989, les combattants islamistes, ou moudjahidines, qui avaient mené le jihad contre l'URSS, ont commencé à rediriger leur lutte vers de nouveaux ennemis. L'un des changements les plus significatifs a été la montée du jihad contre les États-Unis, perçus comme une nouvelle force impérialiste dans la région, et leurs alliés, y compris Israël. Cette réorientation du jihad était en partie une réponse à la présence américaine dans le Golfe Persique, notamment après la Guerre du Golfe de 1991, et à l'alignement perçu des États-Unis avec Israël et contre les intérêts des populations musulmanes.
Cette période a également vu l'émergence ou la consolidation de groupes islamistes radicaux comme Al-Qaïda, dirigé par Oussama ben Laden, qui avait auparavant combattu en Afghanistan. Ben Laden et d'autres leaders islamistes ont commencé à cibler les États-Unis et leurs alliés, les considérant comme des ennemis principaux dans leur lutte pour établir un ordre islamique. La perspective que l'islam politique avait échoué a donc été contredite par ces développements ultérieurs. Les mouvements islamistes n'avaient peut-être pas pris le pouvoir de manière conventionnelle, mais ils avaient réussi à s'imposer comme des forces significatives dans la politique régionale et mondiale. Leur capacité à mobiliser, à influencer et à mener des actions violentes a démontré que l'islam politique restait une force dynamique et influente, capable de s'adapter à de nouveaux contextes et défis.
À partir des années 1990, une évolution marquante s'est opérée dans l'islam politique, avec une transformation significative des approches et des tactiques employées par certains mouvements islamistes. Cette période a vu l'émergence d'une forme de violence que l'on pourrait qualifier de sacrificielle, un changement radical par rapport aux pratiques antérieures. Cette nouvelle phase de violence dans l'islam politique a été caractérisée par l'utilisation d'attentats-suicides et d'autres formes de terrorisme. Ces actes n'étaient plus seulement vus comme des moyens de combattre un ennemi, mais aussi comme des actes de sacrifice ultime. Les auteurs de ces attentats étaient souvent célébrés comme des martyrs, une évolution de la notion traditionnelle de martyr dans l'islam, où la mort volontaire dans un acte de violence devenait un idéal glorifié. Un exemple frappant de cette évolution est les attentats du 11 septembre 2001 aux États-Unis, orchestrés par Al-Qaïda sous la direction d'Oussama ben Laden. Ces attaques, menées par des kamikazes, ont non seulement causé des destructions massives et des pertes en vies humaines, mais ont également changé la façon dont l'islam politique était perçu et combattu à l'échelle mondiale.
Cette période a également vu la montée en puissance de groupes tels que les talibans en Afghanistan, qui ont utilisé des tactiques similaires dans leur lutte contre les forces occidentales et le gouvernement afghan. Ces groupes ont justifié l'utilisation de la violence sacrificielle par une interprétation radicale de l'islam qui légitimait le jihad contre ce qu'ils percevaient comme des forces oppressives et anti-islamiques. La montée de cette nouvelle forme de violence dans l'islam politique a eu des conséquences profondes. Elle a entraîné une réaction internationale, avec des interventions militaires en Afghanistan et en Irak, et a suscité un débat mondial sur la nature de l'islam politique et la réponse appropriée à ses manifestations les plus extrêmes. Ces développements ont non seulement eu un impact sur la scène internationale, mais ont également provoqué des débats et des divisions au sein des communautés musulmanes, entre ceux qui soutenaient ces tactiques et ceux qui les condamnaient. La transformation de l'islam politique dans les années 1990 et au début des années 2000 a été marquée par une montée de la violence sacrificielle et du terrorisme. Cette évolution a redéfini les tactiques et les objectifs de certains mouvements islamistes, entraînant des conséquences durables pour la politique mondiale et les sociétés musulmanes.
L'Islam Politique en Irak Post-Saddam Hussein et émergence de l'État Islamique en 2014
Au début du 21ème siècle, les acteurs de l'islam politique ont connu des évolutions significatives, en particulier avec l'émergence d'Al-Qaïda comme un acteur majeur dans le panorama du terrorisme international. Cette période a également été marquée par une relocalisation géographique de ces acteurs, notamment en Irak, suite à l'intervention américaine et la chute du régime de Saddam Hussein. Après la chute de Saddam Hussein en 2003, l'Irak est entré dans une période de chaos politique et social. Le parti Baas, qui avait longtemps dominé la politique irakienne sous Saddam Hussein, a été interdit, et une nouvelle structure de pouvoir a émergé, dans laquelle la majorité chiite a pris une position de leadership. Cette transformation a créé des tensions sectaires et un sentiment de marginalisation parmi la population sunnite, qui avait été dominante sous le régime de Saddam Hussein.
Al-Qaïda, sous la direction de figures comme Abu Musab al-Zarqawi, a profité de ce climat d'instabilité pour établir une présence en Irak. Zarqawi, un jordanien, a fondé l'organisation "Al-Tawhid wal-Jihad", qui a ensuite fusionné avec Al-Qaïda, devenant une des branches les plus actives et les plus violentes du réseau terroriste. Sous sa direction, Al-Qaïda en Irak a ciblé non seulement les forces américaines et leurs alliés, mais aussi la population chiite, qu'ils considéraient comme des apostats et des collaborateurs des forces d'occupation. Les tactiques d'Al-Qaïda en Irak, notamment les attentats-suicides et les massacres de masse, ont exacerbé les tensions sectaires et plongé le pays dans une spirale de violence. La stratégie de Zarqawi, focalisée sur la provocation d'un conflit sectaire, a transformé l'Irak en un champ de bataille pour des luttes de pouvoir régionales et idéologiques, avec des répercussions profondes pour la région et le monde. L'évolution de l'islam politique en Irak pendant cette période reflète la complexité et la fluidité de ces mouvements. Al-Qaïda en Irak, bien qu'ayant des liens avec le réseau global d'Al-Qaïda, a développé ses propres objectifs et stratégies, enracinés dans le contexte politique et social irakien. Cette période a également souligné le rôle des dynamiques sectaires et de la marginalisation politique dans l'alimentation de l'extrémisme et du conflit.
En 2014, le groupe connu sous le nom d'Al-Qaïda en Irak a subi une transformation significative, marquant un tournant dans l'histoire de l'islam politique. Ce groupe, qui avait évolué et gagné en influence dans le contexte post-invasion de l'Irak, a annoncé la formation de l'État Islamique (EI), également connu sous le nom de Daech (acronyme arabe pour al-Dawla al-Islamiya al-Iraq al-Sham). L'annonce de la création de l'État Islamique a été faite par son leader, Abu Bakr al-Baghdadi. Cette déclaration signifiait non seulement un changement de nom, mais aussi une ambition territoriale et idéologique étendue. L'EI visait à établir un califat, une entité politique régie par la charia (loi islamique), englobant non seulement l'Irak mais aussi la Syrie et potentiellement d'autres régions. Sous la bannière de l'État Islamique, le groupe a rapidement étendu son contrôle sur de vastes régions en Irak et en Syrie, exploitant le vide de pouvoir créé par la guerre civile syrienne et la faiblesse du gouvernement irakien. L'EI a gagné en notoriété pour sa brutalité, y compris des exécutions massives, des actes de nettoyage ethnique, des destructions de sites historiques et des attentats terroristes dans le monde entier. La proclamation de l'État Islamique a représenté un défi majeur pour la stabilité régionale et la sécurité internationale. Elle a entraîné une intervention militaire internationale pour contenir et finalement réduire le territoire contrôlé par l'EI. La montée et la chute de l'État Islamique ont également suscité d'importants débats sur les causes et les réponses appropriées à l'extrémisme islamiste violent, ainsi que sur les moyens de traiter les conséquences humanitaires et sécuritaires de son expansion.
